ESPECIAL Agricultura Familiar: Comida que gera vida

duas mulheres agricultoras familiares com enxada nas mãos cuidando da plantação
Foto: Joyce Fonseca / MST

Na segunda reportagem da série especial Agricultura Familiar e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, vamos ver por que o setor é responsável pelo consumo e pela produção mais responsáveis, com impacto direto na redução das desigualdades e pela transformação de vida de muitas mulheres e jovens.

Boa leitura!  

Redução das desigualdades, consumo e produção responsáveis, os ODSs 10 e 12

Mais que produzir alimentos, a agricultura familiar é a responsável pela maior parte da produção orgânica do país, ou seja, produzem alimentos livres de veneno. De acordo com dados do Conselho Brasileiro da Produção Orgânica e Sustentável (Organis), que reúne cerca de 60 empresas do setor, o mercado brasileiro de orgânicos faturou no ano passado R$ 4 bilhões. O resultado foi 20% maior do que o registrado em 2017. Na pesquisa, o Brasil é apontado como líder do mercado de orgânicos da América Latina.

Apesar dos números, há uma forte ofensiva por parte do governo federal com relação ao uso de agrotóxicos. Somente neste ano, 290 agrotóxicos já foram liberados pelo governo do Bolsonaro. O maior da história. O Brasil é campeão no uso de pesticidas na agricultura no mundo. De 2007 a 2017, data do último levantamento oficial, foram notificados cerca de 40 mil casos de intoxicação aguda por causa deles. Quase 1.900 pessoas morreram.

Já conforme o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) da Anvisa, um terço dos alimentos consumidos pelos brasileiros está contaminado, segundo análises de amostras coletadas em todos os 26 estados do país. Os altos índices trazem malefícios para a saúde, como mostra o Dossiê dos Agrotóxicos elaborado pela Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva). De acordo com o documento, “o uso de um ou mais agrotóxicos em culturas para as quais eles não estão autorizados, sobretudo daqueles em fase de reavaliação ou de descontinuidade programada devido à sua alta toxicidade, apresenta consequências negativas na saúde humana e ambiental, causando problemas neurológicos, reprodutivos, de desregulação hormonal e até câncer”.

Além da produção de comida de verdade e sem veneno, conforme informações do último Censo Agropecuário, a agricultura familiar é a base da economia de 90% dos municípios brasileiros com até 20 mil habitantes. Ela ainda é responsável pela renda de 40% da população economicamente ativa do país e por mais de 70% dos brasileiros ocupados no campo. Assim, a agricultura familiar aquece e movimenta as economias locais e, mais que isso, em contato direto com o consumidor cria vínculos que permitem a promoção de uma alimentação mais saudável e consciente.

Os fatos provam que a agricultura familiar que trabalha a agroecologia é a responsável pela produção do alimento que gera vida e não a morte. Gera oportunidade de trabalho e renda, pois em algumas centenas de hectares consegue manter dezenas de famílias produtivas. Além disso, produz com sustentabilidade e sem causar impactos negativos ao meio ambiente.

ODS 5: agricultura familiar e a igualdade de gênero

Estudos realizados pela FAO mostram que as mulheres são as responsáveis por 40% da produção de alimentos no Brasil. Todavia, elas ainda não possuem os mesmos acessos aos recursos de financiamento agrícola, aos serviços e educação. As mulheres ainda ocupam o papel de cuidar das tarefas de casa, dos filhos e da família e não têm tanto poder de decisão sobre a produção.

Segundo a ONU Mulheres, em países em que as mulheres alcançam as mesas oportunidades, a produção agrícola aumenta no mínimo um terço. Sabe por quê? Porque elas tendem a reinvestir o lucro na produção e no bem-estar da família. As mulheres são protagonistas não só na produção de alimentos, mas, geralmente, são o alicerce da família e dos filhos.

Uma reportagem publicada pelo Brasil de Fato, mostrou que, ao ocuparem espaços de comercialização de alimentos, muitas mulheres tiveram as vidas transformadas no interior do Rio Grande do Sul. Leia um trecho da reportagem:

“Hoje ocorre o inverso. Os companheiros nos ajudam a produzir, mas quem comercializa e administra somos nós, as mulheres. A missão da associação é viver uma vida melhor, porque alguns não queriam deixar as mulheres irem às feiras. Mas hoje eles trabalham sem parar na véspera para que possamos ir. A nossa inserção nesses espaços mudou muito a nossa situação financeira”, afirma Olália.

Com a comercialização na cidade, as camponesas conseguiram melhorar a qualidade de vida de suas famílias em diversos aspectos. Passaram a mobiliar suas casas e até mesmo a terem acesso à internet e à tecnologia. Porém, segundo Olália, na ponta desse processo está o que elas consideram o mais importante e uma grande vitória: o fim da violência doméstica.

Feiras libertam mulheres da violência doméstica no RS. Clique aqui para ler a reportagem completa

#MulheresRurais, mulheres com direitos

A campanha regional #MulheresRurais, Mulheres com Direitos, em 2019, quer identificar e difundir experiências e conhecimentos sobre o poder transformador das mulheres rurais, indígenas e afrodescendentes na América Latina e Caribe e sua contribuição para os desafios estabelecidos nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Neste ano, os parceiros e co-organizadores da campanha incluem FAO, Direção-Geral de Desenvolvimento Rural do Ministério da Pecuária, Agricultura e Pesca (DGDR / MGAP) do Uruguai, ONU Mulheres, Comissão sobre Agricultura Familiar do Mercosul (REAF) e Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) do Brasil.

Clique aqui para saber mais sobre a Campanha #MulheresRurais, Mulheres com Direitos

Uma das prioridades da Unicopas é promover o protagonismo das mulheres, principalmente, nos espaços de incidência política e de controle social das políticas públicas. Isso porque a Unicopas acredita que a economia e o cooperativismo solidário podem contribuir efetivamente para que o Brasil alcance os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, em especial, o ODS 5: Igualdade de Gênero, uma vez que muitos empreendimentos são formados por mulheres, o que contribui diretamente para a autonomia plena dessas mulheres.

Agricultura familiar e juventudes, o ODS 4

Assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao logo da vida para todos e todas. Esta é a proposta do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 4.

A agricultura familiar, por meio do cooperativismo e da economia solidária, dá a oportunidade a centenas de jovens permanecerem no campo por meio, principalmente, de processos de aprendizagem e educação cooperativistas e associativistas. São capazes de gerar trabalho e renda alicerçados na realidade e na cultura do e da jovem do campo. Desta forma, por meio do cooperativismo e da economia solidária, as juventudes também conquistam a autonomia econômica.

Falar em autonomia não engloba somente a questão da independência financeira e geração de renda, mas diz respeito sobre a liberdade para fazer escolhas. Neste sentido, o papel do cooperativismo e da economia solidária se torna essencial na vida de diversos jovens. Essa forma de trabalhar promove não só o sustento econômico, mas a emancipação e a dignidade, com práticas baseadas na autogestão, na democracia e na cooperação.

Vale lembrar ainda que a permanência da e do jovem do campo vem da qualificação da inserção de novas tecnologias e processos produtivos. Muitas vezes, elas e eles deixam o campo pelas condições precárias, todavia, esta mesma juventude pode ser agente de melhoria nos processos produtivos.

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