Medidas podem fragilizar capacidade do Estado em atender necessidades da população brasileira

Foto: Edineudo Meira/Fotos Públicas

Projeto de Lei (PL) e Proposta de Ementa Constitucional (PEC) que estão em tramitação no Congresso Nacional colocam em risco populações em situação de maior vulnerabilidade social; no momento em que o Brasil enfrenta a pior fase da crise sanitária e econômica decorrente da pandemia da Covid-19, é preciso garantir vacina para todas e todos, o retorno do auxílio emergencial no valor mínimo de R$ 600,00 e não enfraquecer o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Entenda o que está em jogo.

Em meio ao agravamento das crises econômica e sanitária em virtude da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), medidas em tramitação no Congresso Nacional podem colocar em risco a capacidade do Estado em atender as reais necessidades da população brasileira, principalmente, àquelas que se encontram em situação de maior vulnerabilidade social.

Aprovada em dois turnos no Senado Federal, a Proposta de Emenda Constitucional 186/2019, conhecida como PEC Emergencial, também foi aprovada em primeiro turno pela Câmara dos Deputados na madrugada dessa quarta-feira, 10 de março. A votação em segundo turno começou na manhã desta quinta-feira (11) – até o fechamento desta reportagem a votação não havia sido concluída.

O valor aprovado para o pagamento do auxílio emergencial foi de R$ 44 bilhões, no total. Quêner Chaves dos Santos, assessor da Unicopas (União Nacional das Organizações Cooperativistas Solidárias) e técnico da Unicatadores, explica que, com este valor, é possível apenas o pagamento no valor R$ 250,00 em média por um período de quatro meses. “O governo tem sinalizado, a depender a situação da família, um valor entre R$ 175,00 e R$ 375,00. Mas a oposição tenta garantir o valor inicial do auxílio, que foi de R$ 600,00. É o mínimo que o governo deve garantir para que milhares de famílias não passem fome no país”, destacou Santos.

A proposta inicial, que previa diminuir percentuais constitucionais para áreas prioritárias como saúde e educação, foi derrubada pelo Senado, todavia, mantiveram outros itens, como os que afetam o funcionalismo público. Neste caso, salários de enfermeiros, médicos e policiais, por exemplo, além do salário mínimo, ficariam congelados. “Isso afetaria igualmente as áreas de saúde, educação e segurança. O congelamento será sempre utilizado quando as despesas do governo atingir 95% do orçamento. Quando atingir este patamar, o governo poderá cortar salários, não contratar novos servidores, entre outros desmontes. A oposição está lutando para diminuir os impactos negativos desta PEC, assim como garantir um valor maior para o auxílio emergencial”, destacou o assessor.

Ele ainda explicou que, no primeiro auxílio emergencial, o governo editou uma medida provisória (MP) – que tem força de lei e período de validade – que, quando não for votada, perde a validade. “O governo deixou a MP vencer e utilizou a PEC 186/2019, que trata de ajuste fiscal, para incluir o auxílio emergencial. Ou seja, ele está utilizando o auxílio emergencial e a pandemia para aprovar um ajuste fiscal. Em tempos normais, a PEC – por alterar a Constituição – teria um longo caminho a percorrer: passar pelas comissões, respeitar os números de sessões necessárias, etc. Para o auxílio emergencial, bastaria editar uma nova MP, que seria o caso de um governo sério e comprometido com a população. Infelizmente, não é o nosso caso”.

Para Quêner, o momento, agora, é de “garantir subsistência para todas as famílias brasileiras em situação de vulnerabilidade social por meio do auxílio emergencial, investir em ações de vacinação em massa e em políticas públicas que garantam a retomada do crescimento do Brasil com geração de trabalho e renda, principalmente, às populações mais vulneráveis”.

PL 3292/2020 abre precedentes para alterações perigosas ao PNAE

Outra medida que está em tramitação no Congresso Nacional e que pode afetar diretamente famílias da agricultura familiar, em especial, os produtores de povos e comunidades tradicionais, é o Projeto de Lei 3292/2020, que altera a Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009, que rege o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

“Este PL abre precedentes perigosos que deixam o programa ainda mais vulnerável aos múltiplos interesses da indústria de alimentos”, alertou Daniel Rech, assessor da Unicopas e assessor jurídico da Unicafes Nacional. Isso porque, o projeto pretende retirar da Lei a prioridade para o fornecimento de produtos de comunidades indígenas e quilombolas e estabelecer, obrigatoriamente, o fornecimento de leite fluído por grandes laticínios. “Indígenas e quilombolas já são um dos mais afetados pela pandemia. Aprovar um projeto de lei desses significa enfraquecer ainda mais a capacidade de produção destes povos tradicionais”, destacou Rech.

Atualmente, o PNAE garante a aquisição de, pelo menos, 30% de gêneros alimentícios da agricultura familiar, “priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas”.

O Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ), em carta, pediu o arquivamento do PL 3292//2020. Segundo o documento, além de colocar em risco o desenho do PNAE, uma vez que a aquisição de alimentos da agricultura familiar já está suficientemente regulamentada, este PL está longe de ser urgente. Pelo contrário, abre o programa para demandas e emendas dos mais diversos interesses particulares do setor de alimentos e retira direitos conquistados por povos indígenas e comunidades tradicionais.