Especial Juventudes: cooperativismo e economia solidária como estratégias de inclusão

No campo ou na cidade as realidades se misturam, mas também se complementam. Neste 12 de agosto, Dia Internacional da Juventude, jovens do cooperativismo e da economia solidária contam suas histórias, falam sobre desafios, conquistas e oportunidades que já encontraram pelo caminho. Cheio de sonhos, elas e eles buscam viver daquilo que acreditam: da construção de uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna.

Quatro jovens, quatro vidas que se cruzam no cooperativismo e na economia solidária. Juntos e juntas querem transformar a realidade de um país que passa por um forte agravamento das crises política e econômica devido à pandemia do novo coronavírus (Covid-19).

Um retrato da realidade apresentada para jovens de todo o Brasil foi o que mostrou a pesquisa Juventude e Trabalho do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Social: elas e eles foram a parcela da população que mais perdeu renda no trabalho nos últimos cinco anos. É entre a juventude que estão os maiores índices de desigualdade. De 2014 a 2019, jovens de 15 a 29 anos, segundo a pesquisa, perderam 14% da renda. Entre os jovens mais empobrecidos, o percentual chegou a 24%. Em entrevista à Agência Brasil, o diretor da FGV Social, Marcelo Neri, disse que “o elemento fundamental para lidar com essa situação é a educação. Não se pode errar na educação”.

Outra pesquisa “Juventudes e a pandemia do Coronavírus”, do Conselho Nacional da Juventude (Conjuve), mostrou que 28% dos e das jovens entre 15 e 29 anos pensam em deixar os estudos quando as escolas e universidades reabrirem após a suspensão das aulas.

O acesso a uma educação de qualidade, bem como a oportunidades de trabalho que dialoguem com as diferentes realidades são pontos que ligam as perspectivas para o futuro das juventudes cooperativistas solidárias. O cooperativismo e a economia solidária dão a oportunidade a centenas de jovens permanecerem no campo ou em suas cidades de origem por meio, principalmente, de processos de aprendizagem e educação cooperativistas e associativistas. São capazes de gerar trabalho e renda alicerçados na realidade e na cultura do e da jovem, dando a elas e eles a oportunidade de conquistarem a autonomia econômica.

Falar em autonomia não engloba somente a questão da independência financeira, mas diz respeito sobre a liberdade para fazer escolhas. Neste sentido, o papel do cooperativismo e da economia solidária se torna essencial na vida de diversos jovens. Essa forma de trabalhar promove não só o sustento econômico, mas a emancipação e a dignidade, com práticas baseadas na autogestão, na democracia e na cooperação.

“O cooperativismo me deu confiança para colocar meus sonhos e minhas ideias em prática”

Rômulo Dantas, filho de agricultores, assentado da Reforma Agrária, hoje é presidente da Cooperativa dos Agricultores Qualificados (Coopaq), que fica em Alagoas. Ele que também atua como Secretário Nacional de Juventude da Unicafes, conta que, aos 21 anos, plantava e comercializava os produtos na feira de sua cidade natal. Em contato com outros produtores, percebeu que as dificuldades eram semelhantes e foi então que ele percebeu a importância da união. “E assim surgiram as conversas de montarmos uma cooperativa. Na primeira vez não deu certo, mas na segunda tentativa a gente conseguiu montar uma cooperativa com 20 agricultores”, lembra.

Para ele, mais que um modo de vida, o cooperativismo com viés econômico solidário deu a ele a oportunidade de colocar sonhos e ideias em prática. “Vamos organizar a produção local? Vamos! Vamos mostrar que aqui não é só cana de açúcar, mas que temos uma agricultura familiar forte? Vamos! E hoje estamos construindo a nossa primeira agroindústria da agricultura familiar do município onde, possivelmente, depois da usina de cana e da prefeitura, será a terceira maior fonte de geração de emprego e renda para o município. Ver isso acontecer é um sonho”, comemora. Rômulo destaca que o cooperativismo solidário, na vida dele, foi uma ferramenta de inclusão e empoderamento.

“Encontrei no associativismo uma forma de trabalhar pela minha comunidade”

Suelen Borralho, de Nobres, Mato Grosso, foi para a capital Cuiabá cursar faculdade de Turismo e, por lá, passou oito anos da sua vida sempre com aquela vontade de retornar à terra natal e… Voltou! “Quando eu voltei, fiquei pensando no que poderia fazer pela minha cidade”.

Foi aí que Suelen teve seu primeiro contato com o cooperativismo e a economia solidária. Trabalhando em uma associação fazendo roteiros turísticos para o município, ela conheceu, na época, o coordenador geral da Unisol Brasil – também afiliada à Unicopas – e, a partir daí, viu a oportunidade que tanto esperava. “Eu encontrei por meio da associação uma forma de trabalhar para a minha comunidade”, lembra.

Atualmente, Suelen trabalha com ecoturismo na Associação de Condutores e Guias de Turismo do Município de Nobres. “Quando entrei na associação, comecei a fazer um processo de reorganização que era necessário e não foi fácil porque, além de ser mulher, eu era a mais jovem. Foi um grande desafio para mim, mas eu disse: eu vou conseguir”.  

A perseverança de Suelen deu certo. Ela conta que, atualmente, a associação conta com 50 sócios, sendo que 80% são jovens. Trazer a juventude para dentro do associativismo também não foi um processo fácil. “Estava todo mundo trabalhando individualmente, um querendo ser mais que o outro, mas fomos mostrando a importância da associação, do trabalho em equipe e que estávamos trabalhando para um bem comum que era desenvolver a nossa comunidade”. Suelen que fez parte da diretoria da associação, capacitou outros jovens para que eles também pudessem ocupar esses espaços e, hoje, a diretoria é composta somente por jovens.

“No início tinha muita desconfiança: será que vai dar certo? Será que tem capacidade? Um olhar de… ah, não sei se vai dar certo, não sei se quero dar esse espaço. Mas enxergaram que é possível e, agora, eu tenho autonomia pelo o que eu fiz”, relata Suelen. Ela comenta ainda que o trabalho e esforço realizados desencadearam tantos outros trabalhos em outros setores da cadeia do turismo, o que possibilitou o desenvolvimento da região. “Jovens, lutem pelos seus espaços. É difícil, mas é possível. A gente tem de ocupar os nossos espaços”.  

“Me sinto muito animado em ser jovem porque eu entendo a tarefa histórica que a gente tem”

Daniel da Silva, atualmente, vive em um acampamento em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul. De raízes camponesas, conheceu a lida no campo ainda muito jovem a partir da convivência com os avós. A aproximação dos pais com os movimentos socais despertou em Daniel o interesse em estudar o curso técnico em agropecuária em ênfase em agroecologia pelo Instituto Educar e foi lá que ele conheceu e se envolveu com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que mantem a Concrab, central de cooperativas da Reforma Agrária que também faz parte da Unicopas. “Eu sou o primeiro sem-terra da família! Na escola eu fui entendendo a luta e me sentindo parte dela. Foi no curso que desenvolvi a minha pertença e foi natural porque eu me sentia muito bem dentro da organização”, lembra.

Hoje, Daniel atua como dirigente estadual de juventude do MST pelo Rio Grande do Sul, mas já passou por várias experiências dentro do Movimento, como no setor de educação. Inserido no setor de juventude, dialoga com vários outros setores, como produção, gênero e comunicação. “A partir do MST, eu vi que era possível trabalhar com a terra, estudar agricultura e conquistar um pedaço de chão, além de outras perspectivas que, enquanto juventude a gente tem, como o de lutar por direitos, mudar a sociedade. Coisas que que dentro do Movimento temos o espaço para debater e agir”.

Espaços que deram a Daniel a oportunidade de entender o que ele denomina de conjuntura problemática de avanço do fascismo, de perseguição e de morte, pautados em discursos de ódio. “Hoje, eu me sinto muito animado em ser jovem porque eu entendo a tarefa histórica que a gente tem. Eu me sinto empoderado dessa tarefa porque eu sei que estamos do lado certo da história”, ressalta.

Para Daniel, ser jovem é se contrapor a esse modelo de sociedade que possui vários mecanismos para entreter e alienar os e as jovens. “Como diz aquela célebre frase do Che Guevara: ser jovem e não ser revolucionário é uma contradição. Jovens, não vivam na contradição!”.

Ele ainda destaca que para manter a juventude animada é preciso construir processos que sejam contínuos. “Muitas vezes, vemos que a juventude é muito fogo de palha, que se ‘alabareda’, mas que não tem um direcionamento e uma continuidade. São esses processos que vão mudar a sociedade. Ir para as ruas e levantar cartaz é importante, mas é preciso ter clareza de onde se quer chegar”, observa.  

Daniel ainda destaca que ouve muitas pessoas com mais idade dizerem: “ah, vocês são jovens e acreditam em uma transformação. Mas eles dizem isso porque pararam de praticar a construção de uma nova sociedade. Porque quem segue praticando uma nova sociedade e segue conhecendo novas realidades e se empenhando nisso, jamais vai deixar de acreditar no novo”.  

 “Não tem como falar de cooperativismo sem falar de nós”

É o que afirma Jennifer Thais Santos Fernandes. Filha de catadores, atualmente, além de catadora, ela também é a secretária da Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis de Itabirito, em Minas Gerais. Ela também faz parte da Unicatadores, uma central de cooperativas de reciclagem afiliada à Unicopas.

“Em tempos difíceis, minha mãe ia para o lixão e levava eu e mais três irmãos para conseguir trabalhar. Quando perdemos o meu padrasto, ela veio para Itabirito e começou a trabalhar na coleta seletiva em um grupo organizado. Pela necessidade de pessoas para trabalhar me juntei a ela e hoje trabalhamos juntas”, lembra.

A trajetória para ela que hoje é uma das lideranças nacionais da juventude cooperativista solidária também teve desafios. A falta de confiança no início por ser jovem e trabalhar na coleta seletiva com pessoas mais velhas foi desafiador. “É difícil se posicionar para somar. Muitos acham que por sermos jovens não temos conhecimento”, comenta.

Contudo, Jennifer tem a consciência de que não tem como falar de cooperativismo e economia solidária sem falar de juventude. “Chegamos com muita vontade de aprender a contribuir. Precisamos pensar no cenário desde muito cedo, então, fazer junto com a juventude pode ser que faça mais sentido”.

Mas para que isso aconteça, segundo ela, é preciso que incluam os e as jovens nos espaços de tomada de decisão. “Assim, sentiremos que estamos fazendo parte do que está sendo construído. Precisam nos dar confiança, acreditar que vamos somar”, pontua.

Conheça mais jovens do cooperativismo e da economia solidária

Trocar experiências. Conhecer a história de jovens de outras regiões e de diferentes realidades. Encarar os desafios para juntos e juntas construírem estratégias de fortalecimento para as juventudes do cooperativismo e da economia solidária do Nordeste. Na era da informação rápida, precisa e direta, este foi o resumo do primeiro Encontro Regional de Juventudes da Unicopas. Realizado entre os dias 10 e 12 de dezembro de 2019, em Maceió, capital de Alagoas, a atividade reuniu jovens do campo e da cidade que atuam no cooperativismo e na economia solidária da região Nordeste. A ação fez parte do projeto ‘Fortalecimento da Rede Unicopas’, co-financiado pela União Europeia.