Autor: Leonardo Pinho, presidente da Unisol Brasil, central afiliada à Unicopas
A discussão da Reforma Tributária é estratégica para o Brasil. Os discursos dos presidentes da Câmara e do Senado Federal sobre as prioridades da agenda legislativa 2020 têm como um de seus pilares fundamentais a Reforma Tributária.
O ano legislativo começa com a composição de 25 senadores e os 25 deputados que farão parte da Comissão Mista da Reforma Tributária, com vistas a construir uma proposta comum, já que existem duas propostas: uma na Câmara (PEC 45/2019) e outra no Senado (PEC 110/2019).
Ambas as propostas estão focadas apenas na unificação de diferentes impostos e deveriam estar centradas no combate à regressividade da incidência de cargas tributárias no país – uma das principais responsáveis pela desigualdade estrutural – e em como essa reforma poderá contribuir para o desenvolvimento sustentável e se será capaz de combater as desigualdades regionais do Brasil.
A regressividade tributária desconhece o princípio da capacidade contributiva. O trabalhador que ganha um salário mínimo, por exemplo, deveria ter tributação zero, pois cada um deveria contribuir na medida de sua capacidade econômica. Ou seja, quem tem mais deveria contribuir com mais.
O Brasil é um dos países com maior concentração de renda do mundo. Uma das razões é justamente o caráter regressivo que o sistema tributário pratica.
A atual crise econômica, que tem sido utilizada para retirada de direitos dos trabalhadores, principalmente com a Reforma Trabalhista e a atual proposta de Reforma Previdenciária -, na verdade, produz mais concentração de renda. Segundo o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/IBRE, 2019):
- Antes da crise, os mais ricos tiveram aumento de 5% da renda acumulada, já os mais pobres, de 10%.
- Após a crise, os mais ricos tiveram aumento de 3,3% da renda acumulada, já os mais pobres, tiveram queda de mais de 20%.
- Em 7 anos, a renda acumulada dos mais ricos aumentou 8,5%, já a dos mais pobres caiu 14%.
Por isso, a Reforma Tributária deveria sair da agenda da regressividade e ir para a da progressividade, sendo, de fato, um instrumento de desenvolvimento e justiça social.
No entanto, a agenda atual está centrada na unificação de impostos e isso poderá trazer impactos em diversos setores da economia, como aos que têm isenções e incentivos fiscais, ou ainda na composição de receitas da seguridade social, por exemplo.
O atual debate acerca da Reforma Tributária da forma que está sendo feito pode trazer retrocessos às cooperativas e empreendimentos econômicos solidários, uma vez que poderá incidir sobre eles uma bitributação gerada por essa unificação de tributos.
Propostas do cooperativismo solidário para o debate da Reforma Tributária
A proposta de tributação de transações financeiras não é nova e já é realidade em 33 países. O Brasil teve um pioneirismo nesses instrumentos com a criação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), em 1966. Em 1997, a Contribuição Provisóriasobre Movimentação Financeira(CPMF), arrecadava cerca de R$ 38 bilhões, quando extinta pelo Congresso Nacional em 2007.
Importante destacar que a unificação de tributos, englobando o IPI, faz com que o Estado brasileiro, que deveria impulsionar um modelo de desenvolvimento voltado a promoção dos direitos constitucionais, perca a capacidade de ser indutor seletivo de cadeias e arranjos produtivos.
O IPI poderia ser alterado para constar critérios e objetivos sociais e ambientais – previstos nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) – que deveriam ser a linha mestra para processos de isenções, reduções e alterações de alíquotas para cadeias produtivas que promovam o desenvolvimento social e sustentável.
Outro aspecto fundamental seria a indução de estratégias de desenvolvimento regional. O Sudeste concentra mais da metade de tudo que o Brasil produz, ter um imposto, como o IPI, voltado a ter critérios para combater a desigualdade regional, seria fundamental. Em vez de concentrar o imposto sobre o que as pessoas consomem – isso atinge diretamente os trabalhadores, uma vez que a maior parte da renda é voltada ao consumo de bens de primeira necessidade -, a Reforma Tributária deveria se concentrar na tributação progressiva sobre renda e patrimônio, tendo o imposto de renda como pilarda tributação progressiva.
Além disso, a reforma deveria garantir a não incidência de carga tributária para os trabalhadores e trabalhadoras que recebem até um salário mínimo.
Também seria um avanço para o desenvolvimento sustentável, incluir as cooperativas e seus benefícios no Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.
Além disso, por prestarem um serviço ambiental de grande valia para toda a sociedade, também defendemos a não tributação dos materiais reaproveitados. Atualmente, 12% de ICMS e cinco outros impostos incidem sobre mercadorias que já foram tributadas, mas que são reaproveitadas (bitributação). A desoneração completa dos tributos indiretos incidentes sobre os resíduos sólidos nas cadeias de logísticareversa (coleta, recuperação e reciclagem): PIS, COFINS, IPI, ICMS, ISSQN, irá permitir que a cadeia produtiva da reciclagem amplie sua capacidade de reaproveitamento, diminuindo o uso de matéria prima e estimulando a logística reversa.
Também alertamos para que o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS) não incida sobre cooperativas da agricultura familiar. Isso porque ela é responsável por cerca de 70% do alimento que chega à mesa dos brasileiros. Garantir que a Reforma Tributária não tribute os produtos alimentícios é fundamental para a Segurança Alimentar e Nutricional do Brasil.
A Reforma Tributária deve assegurar que a tributação sobre as sociedades cooperativas leve em consideração o ato cooperativo, cumprindo o que prevê a Constituição Federal em seu parágrafo 2º do artigo 174 que “a lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo”. Nesse sentido, o texto que a Comissão Mista deve levar em consideração a emenda 8 a PEC 110/2019.
O cooperativismo e a economia solidária quando compreendidos como estratégias de desenvolvimento sustentável, precisam estar inseridos nos grandes debates nacionais, em especial, naqueles que atingem diretamente cooperativas e empreendimentos econômicos solidários. O cooperativismo solidário promove trabalho decente, renda, desenvolvimento local e justiça social e, por isso, deve exigir um tratamento diferenciado e adequado na Reforma Tributária.