
A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) se prepara para julgar o caso que promete reverberar em todo o cooperativismo brasileiro. O debate gira em torno da exigência de que toda cooperativa, mesmo aquelas devidamente registradas na Junta Comercial e na Receita Federal, precise de um registro adicional na Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) para operar em setores específicos, como a área de transporte, por exemplo.
A discussão ganhou novo fôlego no STF, com a sustentação oral da UNICOPAS no Recurso Extraordinário ARE nº 1.280.820/RS, no qual apresenta argumentos sólidos: trata-se de uma ação inconstitucional, uma vez que se revela incompatível com o pluralismo associativo garantido pela Constituição de 1988. Ou seja, a exigência fere princípios constitucionais e pode limitar o desenvolvimento do cooperativismo no Brasil.
Contexto histórico
O cooperativismo brasileiro é regido pela Lei nº 5.764/1971, que estabelece diretrizes para a criação e funcionamento das cooperativas. Após a promulgação da Constituição de 1988, surgiram questionamentos sobre a compatibilidade das normas anteriores com os novos princípios democráticos e de liberdade de associação. O trecho da lei que impõe o registro compulsório na OCB vem sendo alvo de críticas, especialmente no que diz respeito à sua recepção pela nova ordem constitucional.
O artigo 107 da Lei nº 5.764/1971 é um ponto focal da controvérsia. Ele estabelece que as cooperativas devem se registrar na OCB para serem reconhecidas oficialmente. A contestação reside no fato de que, embora as cooperativas já realizem registros em órgãos públicos, como a Junta Comercial e a Receita Federal, o registro na OCB é visto como um requisito adicional que pode ser considerado desnecessário e até mesmo oneroso. Sendo assim, a UNICOPAS entende que esse trecho da lei perpetua uma burocracia excessiva, que contraria os princípios da autonomia e da liberdade que devem nortear as cooperativas.
Aspectos processuais e jurídicos
Neste debate, o assessor jurídico da UNICOPAS, Daniel Rech, fundamentou a defesa dos interesses das cooperativas solidárias a partir de duas questões. A primeira, de natureza prática, questiona se cooperativas devidamente registradas em órgãos oficiais, como a Junta Comercial e a Receita Federal, realmente necessitam de um registro adicional na OCB para operar. A segunda, de natureza jurídica, investiga se a exigência de registro compulsório na OCB foi recepcionada pela Constituição de 1988, especialmente à luz das garantias constitucionais de liberdade de associação e exercício da atividade econômica.
A argumentação enfatiza que, embora a Lei nº 5.764 tenha sido recepcionada, a imposição de filiação compulsória a uma entidade privada, como a OCB, não o foi. A UNICOPAS argumenta que essa exigência representa um excesso burocrático que não é apenas desnecessário, mas também fere a autonomia das cooperativas.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, assegura a liberdade de associação, um princípio fundamental para a organização de cooperativas. Decisões anteriores do STF, como a ADI 2.811/RS, reforçam essa liberdade, reconhecendo a inconstitucionalidade de exigências que limitam a participação das cooperativas em processos licitatórios com base em registros em entidades específicas. Essas decisões destacam que o direito de se associar deve ser respeitado, e que qualquer imposição que restrinja essa liberdade deve ser cuidadosamente avaliada à luz dos princípios constitucionais.
A OCB, por sua vez, defende a exigência de registro como um mecanismo necessário para garantir a unicidade na representação do cooperativismo no Brasil. A entidade argumenta que esse registro adicional é crucial para assegurar padrões de qualidade e responsabilidade entre as cooperativas, e para fortalecer a imagem do cooperativismo como um todo. No entanto, essa lógica pode resultar em uma centralização excessiva e em uma falta de respeito à autonomia das cooperativas, que devem ser capazes de se organizar de acordo com suas próprias necessidades e especificidades.
Implicações práticas
A decisão do STF sobre o registro compulsório pode ter repercussões significativas para o setor cooperativista no Brasil, que abrange uma ampla gama de ramos econômicos, desde a agricultura até serviços de saúde e crédito. As cooperativas são instrumentos de desenvolvimento econômico e promoção de justiça social, e a imposição de barreiras burocráticas pode comprometer sua capacidade de operar e crescer.
Em um cenário em que muitas delas já enfrentam desafios financeiros e operacionais, essa duplicidade de registros pode aumentar os custos, complicar a gestão e limitar a capacidade de atuação em setores estratégicos. Muitas cooperativas podem se ver obrigadas a redirecionar recursos para cumprir essa exigência, em vez de investir no desenvolvimento de suas atividades e na oferta de melhores serviços aos seus associados. Além disso, a burocracia envolvida pode desencorajar novas cooperativas de se estabelecerem, limitando a diversidade e a inovação no setor.
O debate também levanta questões sobre a relação entre cooperativas e sindicatos, uma vez que a OCB busca legitimar sua posição como representante do setor. No entanto, a UNICOPAS entende a necessidade de um registro adicional como uma tentativa de controle que não condiz com os princípios democráticos estabelecidos pela Constituição.
Para a UNICOPAS, assim como para diversas organizações que atuam no campo da economia solidária, a exigência de registro na OCB não apenas é desnecessária, mas também representa uma violação da liberdade associativa garantida pela Constituição. “As cooperativas devem ter a liberdade de se organizar de acordo com suas realidades, sem a imposição de requisitos adicionais que não têm uma finalidade pública clara. Essa visão enfatiza a importância de um ambiente regulatório que favoreça o crescimento e a diversidade do cooperativismo, permitindo que as cooperativas cumpram seu papel como agentes de transformação social e econômica”, defende o assessor jurídico da UNICOPAS, Daniel Rech.
Julgamento e futuro do cooperativismo
À medida que o STF se prepara para decidir sobre a exigência de registro na OCB, as expectativas são altas entre cooperativas e entidades do setor. O resultado deste julgamento pode redefinir os contornos do cooperativismo brasileiro, assegurando que os princípios de liberdade e pluralidade, consagrados na Constituição de 1988, sejam respeitados e promovidos.
“Essa decisão terá um impacto direto sobre milhares de cooperativas e seus associados, potencialmente reconfigurando a dinâmica do cooperativismo em um país que busca fortalecer sua economia solidária”, finaliza Rech.