O fim de abril foi marcado pela Fashion Revolution Week, um movimento que há cinco anos chama a atenção do Brasil e do mundo para a responsabilidade, ética e transparência nos processos de produção da moda. Você sabia que a economia e o cooperativismo solidário contribuem diretamente para isso? Confira na reportagem.
Não foi uma, nem duas. Reportagens que mostram o lado obscuro da moda revelam que atrás de todo o glamour das passarelas e das vitrines que disputam a atenção em shoppings centers, existem pessoas, em muitos casos, submetidas a situações análogas ao trabalho escravo em redes de confecções. De acordo com reportagem publicada pela Repórter Brasil em dezembro de 2018, no Brasil, 38 marcas de moda estão envolvidas com o trabalho escravo.
“Mais de 400 costureiros e costureiras foram encontrados em condições análogas às de escravos no Brasil. A maioria dos casos ocorre em pequenas confecções terceirizadas. As vítimas mais comuns são migrantes sul-americanos que trabalham em oficinas em condições degradantes. São locais suscetíveis a incêndios, marcados pela falta de higiene e que muitas vezes também servem de moradia aos trabalhadores. Eles recebem valores muito baixos por peça costurada e são submetidos a jornadas exaustivas para conseguir guardar algum dinheiro. Muitos se veem obrigados a trabalharem para pagar dívidas fraudulentas com os patrões para quitar o financiamento da viagem de seus países até o Brasil”, cita a reportagem.
Economia e cooperativismo solidário: promoção do trabalho justo e decente
Na contramão deste processo de precarização e predatório do trabalho, a economia e o cooperativismo solidário promovem, em todo o Brasil, uma lógica contrária. Ao invés de promover esse movimento da moda com um viés exploratório, com negociações pelo menor preço, ou acirrar o prazo de produção para a entrega de uma nova coleção, na economia e no cooperativismo solidário a palavra de ordem é parceria. “Acreditamos no trabalho de parceria e colaboração no desenvolvimento de peças de moda, não somente produção. A gente reforça que a ideia não é ter clientes, mas criar parceiros porque, desta forma, é muito mais interessante, mais perene e relevante para se trabalhar. Faz mais sentido tanto para quem produz quanto para quem vende que pode contar essa história com o brilho nos olhos”, conta Julia Asche, da Rede Design Possível, que faz ponte entre grupos produtivos de diversos segmentos, inclusive os de costura. “Atendemos iniciativas e marcas que prezam por fornecedores mais éticos e justos”, explica.
E foi a partir de uma demanda crescente em São Paulo que, em 2015, nasce a Rede de Costura Solidária SP, atualmente, formada por sete empreendimentos econômicos solidários. “Existia uma demanda muito forte de trabalhos feitos em um formato de arranjo produtivo ou em grandes quantidades que grupos pequenos não davam conta sozinhos, mas que de forma organizada e planejada poderiam assumir produções maiores e ainda trocar experiências”, recorda Julia. Ela destaca que a formação da Rede só foi possível devido a um projeto desenvolvido, na época, pela Unisol Brasil (Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários), uma das centrais afiliadas à Unicopas (União Nacional das Organizações Cooperativistas Solidárias). “Foi por meio da articulação e mobilização desses empreendimentos de diversos setores que nasceu a Rede de Costura Solidária SP”.
Economia e cooperativismo solidário: protagonismo e autonomia da mulher
Julia Asche conta ainda que encontrou na Rede de Costura SP uma oportunidade de, finalmente, conseguir fazer com que a produção fosse mais justa e responsável. De acordo com ela, a maior parte da Rede é composta por mulheres que, na maioria, estavam fora do mercado do trabalho. “Isso porque passaram muitos anos cuidando da gestão da casa e da família enquanto os maridos saíam para trabalhar. Essas mulheres com os filhos maiores puderam se capacitar e construíram seus negócios”.
É o caso da Djenane Martins, da Charlotte Arte e Costura, atual presidenta da Unisol São Paulo. Ela que chegou a pesar 160 quilos começou a ter dificuldades para arrumar um emprego. “As empresas achavam que eu era um poço de doenças. Mesmo eu não tendo diabetes, pressão alta, nenhuma doença relacionada a minha obesidade, elas já me olhavam assim quando ia procurar um trabalho”, relata.
Até que um dia surgiu a oportunidade de trabalhar com a vizinha em uma confecção. Lá, Djenane aprendeu e descobriu sua vocação para a costura. E foi assim, a partir de um grupo formado por mulheres que não atendiam as exigências do mercado, aposentadas, donas de casa, nasceu, em outubro de 2009, a Charlotte Arte em Costura, hoje, especializada em produção de brindes sustentáveis.
“A Charlotte é uma parte nossa. Aquelas mulheres que montaram um grupo com cinco máquinas de costura e duas caixas de papelão tinham o desejo de ter um negócio para ter uma renda e hoje temos a consciência de que somos um grupo que deu certo. Mulheres que muitas vezes não ganhavam nada e que hoje têm um salário digno. Temos reconhecimento de grandes empresas que são nossas parceiras. Aqui, a gente sempre matou o eu para viver o nosso. Nós somos a Charlotte”.
Fashion Revolution
O movimento foi criado após um conselho global de profissionais da moda se sensibilizar com o desabamento do edifício Rana Plaza em Bangladesh, que causou a morte de 1.134 trabalhadores da indústria de confecção e deixou mais de 2.500 feridos. A tragédia aconteceu no dia 24 de abril de 2013, e as vítimas trabalhavam para marcas globais, em condições análogas à escravidão.
A campanha #QuemFezMinhasRoupas surgiu para aumentar a conscientização sobre o verdadeiro custo da moda e seu impacto no mundo, em todas as fases do processo de produção e consumo. Realizado inicialmente no dia 24 de abril, o Fashion Revolution Day ganhou força e hoje tornou-se a Fashion Revolution Week, que conta com atividades promovidas por núcleos voluntários, em mais de 100 países.
No Brasil, o movimento atua há 5 anos. Durante a Semana Fashion Revolution, e ao longo do ano em eventos pontuais, realizamos ações, rodas de conversa, exibições de filmes e workshops, que promovem mudanças de mentalidade e comportamento em consumidores, empresas e profissionais da moda.