Resultado de forte mobilização da sociedade civil, entre elas a Unicopas, PL 5695/2019, que prevê a descentralização de recursos do FNDE, é retirado da pauta do Senado pelo autor e não seguirá em tramitação. Mas organizações continuarão atentas à PEC 188/2019. Entenda na reportagem.
Audiência pública realizada na tarde desta segunda-feira (18) na Comissão de Educação, Esporte e Cultura do Senado Federal, reuniu diversas organizações da sociedade civil dos setores de educação, alimentação, nutrição e agricultura, contrárias ao Projeto de Lei 5695/2019, do senador Izalci Lucas (PSDB/DF), que pretendia transferir a cota da União do Salário-Educação para estados e municípios.
O Salário-Educação é uma das fontes de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento de Educação (FNDE), que abarca importantes programas nacionais de assistência à educação básica, como os de Alimentação Escolar e de Apoio ao Transporte do Escolar, além do Plano Nacional do Livro Didático.
A fragilização dessas políticas públicas – estruturais para o desenvolvimento do Brasil – resultante da descentralização total dos recursos do Salário-Educação foi o principal argumento das entidades presentes. Todas se mostraram contrárias ao PL e antes mesmo que expusessem as fragilidades que o projeto apresenta, o senador Izalci Lucas, autor do PL, iniciou a sessão afirmando que retira o projeto de tramitação.
Leia aqui a Carta em defesa da Educação e da Alimentação Escolar
“Meu único objetivo com este PL era angariar mais recursos para a educação, mas não tenho mais prazo para isso. Não há motivo para continuar com esse projeto se o próprio Ministério da Educação se manifestou contrário ao PL”, disse o senador.
Segundo ele, com o repasse dos recursos do Salário-Educação, em torno de R$ 9 bilhões, diretamente para estados e municípios, uma janela se abriria na União para a captação de mais recursos para a educação.
Todavia, as organizações presentes alertaram para o fato de essa janela ser alvo de disputa de outros setores. “Quem garante que essa janela seria ocupada pela educação?”, questionou Edélcio Vigna, assessor da Unicopas (União Nacional das Organizações Cooperativistas Solidárias).
“Esse projeto não aporta mais recursos para a educação e fragiliza a fiscalização dos programas”, salientou Marília Leão, representante do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. De acordo com ela, a possível liberação do teto não leva a uma aplicação automática deste volume de recursos na educação. “Se pode observar até uma retração de recursos. Além disso, a fiscalização de controle externo (TCU) e interno (FNDE) deixam de existir”.
A importância do PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) foi destacada por todos os expositores. Referência internacional, dados gerais do FNDE de 2019 mostram que o PNAE abrange 26 estados mais o Distrito Federal em 5.570 municípios. São mais de 150 mil escolas públicas e cerca de 40 milhões de estudantes atendidos em um total de 120 milhões de refeições oferecidas por dia. “A ‘prefeiturização’ da merenda escolar é ter de lidar com novas políticas a cada quatro anos. Um prefeito pode decidir comprar tudo ou nada da agricultura familiar. Especialmente em educação precisamos de políticas continuas e perenes para termos a garantia de que o Estado Brasileiro possa proporcionar a melhor educação possível”, observou Antoninho Rovaris, Secretário de Política Agrícola da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura).
Garantir compras para a merenda escolar oriundas da agricultura familiar é garantir uma alimentação de qualidade e saudável para milhares de crianças em todo o Brasil.
PEC 188/2019
Após o anúncio da retirada da pauta do PL 5695, o senador Izalci alertou sobre a entrada da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 188/2019, que altera diversos artigos da Constituição Federal.
Raimundo Luiz Silva Araújo, da Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação (Fineduca), disse que há “muita coincidência de intencionalidades” entre o Projeto de Lei 5695/2019 e a PEC 188/2019.
A PEC, dentre outros assuntos, segundo ele, também trata do Salário-Educação. “O que a PEC 188 traz é muito mais sério que a discussão sobre descentralizar ou não (os recursos). Se nós comprarmos isso como principal no debate, nós vamos estar criando uma cortina de fumaça para a verdadeira intenção”, ressaltou Araújo.
Ele explicou que a PEC prevê, por exemplo, que atividades como transporte, saúde e educação deixam de ser suplementares, ou seja, deixam de ser responsabilidade da União. “A intenção dessa PEC é descomprometer a União com o financiamento dessas áreas e quando se descompromete a União é o mesmo que fechar os programas federais porque eles perdem o sentido de existência”.
O senador Izalci Lucas se comprometeu em chamar nova audiência pública para o debate específico da PEC 188/2019 junto à sociedade civil.
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