
Nos pavilhões da 31ª Feira Internacional do Cooperativismo (Feicoop), realizada entre os dias 10 e 12 de outubro, em Santa Maria (RS), o colorido das pinturas, os artesanatos indígenas e quilombolas do Pavilhão da Teia dos Povos traduziram o espírito do evento, que celebrou a economia solidária e as alianças entre povos e territórios.
Entre cores, sementes e saberes compartilhados, a artista visual e arte-educadora Rusha destacou a potência coletiva da feira. Integrante da Vila Resistência e do Atelier Griô, espaço dedicado à arte e à cultura vileira, ela reforçou o papel da Feicoop como território de encontro e construção de alternativas econômicas e culturais.

“Estamos muito felizes de estar aqui participando de mais uma Feicoop, uma feira tão importante para a economia solidária. Aqui no pavilhão da Teia dos Povos participamos enquanto comunidade, fortalecendo essa articulação entre o povo indígena, o povo quilombola, o povo camponês e o povo periférico. É um corredor muito diverso, uma aliança viva desses povos. Está tudo muito bonito, muito grandioso”, afirmou.
Rusha contou que sua arte nasce da relação com o território e com as pessoas. “Busco, com o meu trabalho, reflorestar imaginários e pintar um mundo outro para o nosso povo. Trabalho muito com as crianças e com os mais velhos, porque as crianças são essas sementinhas que dão esperança pra gente.”
Soberania alimentar e saberes populares
Natural de Caçapava do Sul e moradora de Santa Maria, Fernanda de Figueiredo Ferreira atua com práticas de autocuidado baseadas em fitoterápicos, plantas medicinais, óleos essenciais e tônicos naturais. Desde 2016, desenvolve esse trabalho, que também foi tema de sua tese em Educação Popular em Saúde, abordando conhecimentos tradicionais e populares relacionados à fitoterapia e à homeopatia popular. “Venho trabalhando na divulgação desses saberes, articulando sempre com o movimento social e com a educação popular e saúde”, contou Ferreira.
Participante assídua da Feicoop, ela afirma que o evento tem um significado familiar e comunitário. “A feira pra mim está dentro do aspecto familiar. A gente já tinha uma madrinha que trabalhava com panificação, está há 38 anos na feira. Eu participo há cerca de 6 anos expondo com o pessoal do movimento.”

A educadora defende o alimento como um elemento de cultura, identidade e memória, que conecta os povos aos seus territórios e saberes ancestrais. “A feira nos convida a pensar em soberania alimentar, a sair das cadeias de consumo e entender o alimento como identidade, cultura e memória. É também uma forma de enfrentarmos o processo de medicalização da saúde.”
Ferreira ressalta que cada território carrega saberes e alimentos sagrados, que expressam a diversidade e a ancestralidade dos povos. “Resgatar esses processos é reafirmar quem somos e fortalecer a nossa biodiversidade.”
Mulheres catadoras retomam espaço e defendem protagonismo na reconstrução ecológica
A feira também foi espaço de atividades formativas e de debate como temas sobre os impactos da crise climática, empoderamento feminino, e rodas de conversa como “Mulheres Catadoras – Justiça de Gênero na Reciclagem e Mudanças Climáticas”, promovida pela Associação do Voluntariado e da Solidariedade (Avesol).

Após mais de 7 anos sem um espaço dedicado aos catadores na Feicoop, o Coletivo de Mulheres Catadoras do Rio Grande do Sul marcou presença nesta edição.
Paula Guedes de Azevedo, 36 anos, moradora da zona leste de Porto Alegre e integrante de uma associação de catadoras de materiais recicláveis, celebrou o retorno do grupo ao evento. “Estamos fazendo uma retomada importante aqui na Feicoop. Há mais de 7 anos os catadores não tinham mais um espaço na feira, e nós, mulheres catadoras do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), estamos nos organizando em nível estadual para ocupar esse lugar e trazer a importância do nosso trabalho à frente da logística, especialmente nesse contexto de mudanças climáticas. Buscamos a justiça de gênero dentro da reciclagem.”
Para ela, o retorno das catadoras reforça um princípio essencial. “A gente entende que não existe economia solidária sem catadores dentro. Construímos uma grande logística de geração de renda e projetos sociais dentro da reciclagem. Da reciclagem surge o artesanato, as oficinas de sabão, a restauração de roupas, é um leque de possibilidades. Nessas mudanças que estamos vivendo no mundo, sem os e as catadoras não há reconstrução possível.”
“A Feicoop é um intercâmbio de saberes”
Natural de Santa Maria, Caroline Moraes integra a equipe de comunicação da 31ª Feira Internacional do Cooperativismo (Feicoop). “Faço toda a gestão das redes sociais do Feirão, além da parte de oficinas e programação”, conta. Ela ressalta a renovação geracional e protagonismo comunitário na feira.
Envolvida há quatro anos com a feira, e há dois na coordenação, Moraes destaca que o evento “vai muito além da comercialização”. Para ela, a Feicoop é “um intercâmbio de saberes e um envolvimento coletivo de toda a sociedade santa-mariense. No município, não há outro evento que se compare a essa estrutura.”

Ela lembra que o adiamento da edição de 2025 possibilitou aprimorar a organização. “A gente pretende melhorar ainda mais, em infraestrutura, comunicação, praça de alimentação, sempre a partir das demandas dos feirantes.”
Além de colaboradora, Moraes também é feirante há 5 anos e faz parte da direção da cooperativa Macarena. Em sua pesquisa de mestrado, ela analisa o impacto intergeracional da economia solidária. “As pessoas da direção estão aqui desde o começo, e agora temos um movimento de renovação. Na minha equipe, todo mundo tem menos de 25 anos. É essencial envolver a juventude, porque essa troca mantém viva a feira e os empreendimentos familiares”, afirmou.
Festa da economia solidária
Coordenador do Projeto Esperança/Cooesperança, José Carlos Peranconi participa da Feicoop desde a primeira edição. Nos últimos quatro anos, ele assumiu a coordenação geral do evento, junto a uma grande equipe.

“Em Santa Maria, a gente trabalha o ano todo com o Feirão Colonial, e a Feicoop é como se fosse a confraternização deste trabalho. É a festa da economia solidária do Rio Grande do Sul e do Brasil”, expôs
Peranconi lembra que entrou no Projeto Esperança por meio da Irmã Lourdes Dill, uma das fundadoras da feira e referência na história do movimento. “A Irmã Lourdes tem todo esse legado que hoje está aqui. Às vezes as pessoas perguntam se a gente está substituindo ela, mas não é isso. Estamos dando continuidade a um trabalho que também ajudamos a construir.”
A 31ª Feicoop reuniu cerca de 400 expositores, entre agroindústrias familiares, artesanato, povos indígenas e quilombolas. “Tudo o que é vendido aqui vem de pequenos grupos e famílias agricultoras. Não tem nenhuma empresa fornecendo alimento. É tudo feito por mãos de grupos solidários”, frisou.
Peranconi ressaltou ainda o compromisso com a produção saudável e agroecológica: “A grande maioria dos nossos produtores trabalha com uma agricultura livre de agrotóxicos. Eu mesmo compro toda a minha alimentação aqui. São produtos de pequenos agricultores, feitos com cuidado e consciência”.
Além da comercialização, a feira contou com cerca de 50 atividades formativas, entre seminários, oficinas e rodas de conversa. “Esse ano o tema das mudanças climáticas veio muito a calhar. Passamos por enchentes, secas e outras emergências, então as oficinas serviram para discutir caminhos e, no ano que vem, queremos ver os resultados dessas discussões.”
Encerrando, Peranconi já projeta a próxima edição: “Em 2026 vamos voltar para julho e fazer uma grande feira, mantendo a qualidade, buscando recursos e parcerias. A Feicoop é isso, uma grande festa da economia solidária.”
Fonte: Brasil de Fato/Editado por: Katia Marko