Especial #8M: descubra por que o cooperativismo e a economia solidária são instrumentos de transformação

mulher agricultora familiar segura ramo de plantação
Foto: Joyce Fonseca / MST

Quatro mulheres e praticamente a mesma trajetória. Superação, resistência, resiliência e otimismo. Mesmo frente as adversidades, elas conquistaram seus espaços e encontraram no cooperativismo e na economia solidária algo que vai além da autonomia, elas descobriram ferramentas para seguirem na luta pela equidade de gênero.

Regina Dantas de Carvalho. Nelsa Nespoldo. Antônia Ivoneide. Claudete Costa. Elas são de lugares diferentes, com histórias de vida diferentes, mas se encontraram em busca de um mesmo sonho: viver a tão sonhada equidade de gênero. O abismo que ainda há entre mulheres e homens e o machismo estrutural que persiste em toda a sociedade torna o mundo um lugar perigoso e cheio de desafios para a mulher. E dados comprovam isso!

Entenda a diferença entre igualdade e equidade de gênero

No feminismo usamos o termo “equidade” e não igualdade, elas possuem mensagens diferentes, apesar de terem o mesmo objetivo. Quando buscamos por equidade de gênero estamos falando de justiça, de oportunidades iguais independentemente do gênero. Partindo de um pressuposto de que todas não são iguais, as oportunidades são diferentes para homens e mulheres, assim como para àquelas que são negras, de classe baixa ou com mais idade. Fonte: Programa ELAS

Segundo levantamento feito pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), com dados do quarto trimestre do ano passado, o rendimento mensal médio das mulheres foi 22% menor que dos homens. Em cargos de gestão, por exemplo, a cada 10 diretores e gerentes, quatro eram mulheres e o rendimento delas era 29% menor. Com a mesma escolaridade, as mulheres com nível superior tiveram um rendimento médio 38% menor do que os homens. Com a aposentadoria não é diferente: em média, elas receberam 17% menos que eles.

Com relação aos afazeres domésticos, o abismo é gigantesco. As mulheres gastaram 95% mais tempo com trabalhos em casa. Isso representa, em média, 541 horas a mais por ano, ou 68 dias, considerando uma jornada de 8 horas por dia. De acordo com a organização Oxfam, o trabalho doméstico vale 10 trilhões de dólares não pagos a mulheres anualmente.

“O que as mulheres poderiam fazer com esse tempo livre se as tarefas fossem divididas igualmente? Estudar? Conseguir melhores empregos? Descansar? Cuidar de sua saúde e bem-estar? A importância dessas perguntas é que elas fazem parte de um processo de desnaturalização dessas desigualdades”, destacou Isadora Santos, coordenadora de Projetos da Unicopas (União Nacional das Organizações Cooperativistas Solidárias), que atualmente congrega as quatro principais centrais do cooperativismo e da economia solidária do Brasil: Unicafes Nacional, Unisol Brasil, Concrab e Unicatadores.

Gráfico elaborado pelo Dieese

“Cada vez mais adquiro conhecimento. Esse é o nosso maior legado”

Claudete Costa, presidenta da Unicatadores

Foi o que disse Claudete Costa, catadora de materiais recicláveis desde os 10 anos de idade, hoje na presidência da Unicatadores e da Cooperativa Reciclando para Viver. Com a separação dos pais, a mãe de Claudete teve de ir para as ruas do Rio de Janeiro com três filhos. Vendiam velas de dia e catavam papel durante a noite.

“Hoje tenho 30 anos de profissão. Não é fácil! A cada dia tenho que estar muito madura e firme nas decisões que tomo, porque ainda há muito preconceito e muita falta de compreensão. A gente só é vista, muitas vezes, para fazer fala bonita e fazer parte da luta. Cada vez mais adquiro conhecimento e experiência porque esse é o nosso maior legado”, ressaltou Claudete.

Por ser mulher, negra, moradora de comunidade e mãe solteira, os preconceitos, segundo ela, acabam sendo piores. “Mas a gente consegue, a cada noite, dar a volta por cima e amanhecer de cabeça erguida para continuar na luta. É difícil, mas não é impossível”.

A desvalorização, para Claudete, ainda é um grande desafio a ser vencido. Ela relatou que a falta de reconhecimento desestimula e enfraquece o papel da mulher. O pior é que isso, muitas vezes, é feita de maneira proposital. “Às vezes, estamos em alguns espaços com o mesmo poder de decisão, com a mesma sabedoria, mas a gente se sente excluída porque percebemos que por mais empoderada que a gente esteja, por mais que tenhamos firmeza em nossas falas, as pessoas tentam nos diminuir”, contou.  

“Zero ao machismo. Zero violência. Zero a toda forma que não nos trate de forma igual”

Nelsa Nespoldo, presidenta da Justa Trama

Por isso, Nelsa Nespoldo, presidenta da Cooperativa Central Justa Trama da Unisol Brasil, defende que trabalhar a confiança entre as mulheres e a construção de uma economia inclusiva é fundamental na busca pela equidade de gênero. Ela que vem de uma família de pequenos agricultores de Nova Pádua, no interior Rio Grande do Sul, foi uma das protagonistas na trajetória da cooperativa que mostrou que é possível produzir com responsabilidade e justiça social, princípios colocados, de fato, em prática quando o assunto é cooperativismo e economia solidária. Atualmente, a Justa Trama congrega centenas de trabalhadoras e trabalhadores nas cinco regiões do Brasil.

“Construir uma economia inclusiva significa distribuir renda de forma justa. Em uma sociedade em que as mulheres ainda ganham menos que os homens, a gente constrói empreendimentos em que nós recebemos igual quando desempenhamos a mesma função. Para a gente não é uma questão de sexo ganhar menos ou mais. É preciso que que cada uma e cada um seja reconhecido pelo valor que tem enquanto ser humano. Zero ao machismo. Zero violência. Zero a toda forma que não nos trate de forma igual”, destacou Nelsa.

“Nós, mulheres, rejeitamos a tutela. Nós queremos participação”

Regina Dantas, atual presidenta da Unicafes Bahia

Para que isso aconteça, segundo Regina Dantas, atual presidenta da Unicafes Bahia, é preciso garantir a participação das mulheres nos espaços de decisão das cooperativas e empreendimentos econômicos solidários.

“Mas isso não como uma disputa de poder, mas como um direito conquistado com competência. Nosso papel e dever é incentivar e apoiar mulheres para ocuparem os espaços de forma emancipatória, produzindo bens e serviços e gerando renda. Nós, mulheres, rejeitamos a tutela. Nós queremos participação”, destacou.

A pesquisa “Participação das mulheres em espaços cooperativos”, organizada e realizada pela Unicafes, em parceria com a UNILA (Universidade Federal da Integração Latino-Americana), com o Observatório AFLA (Agriculturas Familiares Latino-Americanas), e com a REAF (Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar do Mercosul ampliado), constatou que somente 20% das mulheres entrevistadas participam de algum espaço de decisão, como: comissão diretiva, conselho fiscal, coordenação, diretoria, gerência ou presidência.

“Os homens pensam grande, mas as mulheres pensam longe”

Antônia Ivoneide, presidenta da Concrab.

Para que haja um aumento na participação das mulheres nos espaços de decisão do cooperativismo e da economia solidária, de acordo com Antônia Ivoneide, atual presidenta da Concrab, são necessários quatro elementos fundamentais: motivação, condições adequadas, resultado e construção de processos participativos.

“Na prática da produção, são as mulheres que estão à frente. É uma economia invisibilizada porque a mulher não é reconhecida como produtora. As mulheres são capazes de pensar todo o conjunto de estratégias de produção. Por isso que eu sempre digo: os homens pensam grande, mas as mulheres pensam longe”.

Criar condições na vida das mulheres, como a conquista da autonomia financeira, é um dos benefícios do cooperativismo e da economia solidária. “Quem adquire autonomia, se fortalece para enfrentar situações de violência (O Brasil ocupa o 5º lugar no mundo em taxa de feminicídio), se sente mais valorizada e vai para o enfrentamento dos próprios medos, suas próprias vergonhas. É muito comum a gente ouvir: eu tenho vergonha de falar lá na frente. Eu não tenho capacidade de debater esse tema. Mas quando a gente vê outras mulheres fazendo essas coisas, nos sentimos encorajadas, empoderadas”.

Unicopas inicia formação de lideranças no mês das mulheres

Encontros que irão fortalecer o protagonismo de mulheres que atuam no cooperativismo e na economia solidária no Brasil. Este é o principal objetivo de um ciclo de oficinas que irá percorrer todo o Brasil no primeiro semestre de 2020. Para marcar as ações do mês das mulheres, a Unicopas iniciará a capacitação de mulheres do cooperativismo solidário em março. Ao todo, serão realizados seis encontros – cinco regionais e um nacional – e a expectativa é que cerca de 80 mulheres sejam capacitadas.

Todos os eventos são direcionados às mulheres que fazem parte de cooperativas e associações que compõem as centrais afiliadas à Unicopas – Unicafes Nacional, Unisol Brasil, Concrab e Unicatadores – e estão sendo organizados pelo GT de Mulheres da Unicopas, que conta com representações das quatro centrais.

O principal objetivo é formar novas lideranças, além de fortalecer a identidade das mulheres do cooperativismo solidário, construir novas estratégias de fortalecimento e promover momentos de troca de experiências.

As atividades são promovidas pela Unicopas, em parceria com as centrais afiliadas, e faz parte das atividades realizadas pelo projeto “Fortalecimento da Rede Unicopas, co-financiado pela União Europeia.

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