Responsável pela maior parte do alimento consumido no Brasil e no mundo, a agricultura familiar, principalmente por meio do cooperativismo e da economia solidária, pode contribuir para a diminuição da fome e da pobreza extrema; além disso, gera renda e trabalho digno no campo, movimenta a economia das cidades e promove uma alimentação mais saudável em contato direto com os consumidores.
Dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) mostram que a fome no mundo vem aumentando. No ano passado, cerca de 820 milhões de pessoas não tiveram acesso suficiente a alimentos, frente a 811 milhões em 2017. O aumento foi registrado pelo terceiro ano consecutivo.
No Brasil a situação não é muito diferente. Apesar de a situação de fome ser considerada estável pela agência das Nações Unidas, 2,5% da população brasileira ainda se encontra em estado alimentar grave. Isso quer dizer que 5,2 milhões de pessoas passaram um dia inteiro ou mais dias sem consumir alimentos ao longo de 2017. O país que em 2014 saiu do Mapa da Fome, viu, em 10 anos (2004 e 2014), mais de 26 milhões de brasileiras e brasileiros saírem da pobreza. O feito, segundo o relatório, foi resultado do “aumento dos rendimentos familiares, somado a políticas sólidas e coordenadas nas áreas sociais, de educação e saúde, assim como políticas favoráveis aos setores produtivos”.
Em contraponto a essa realidade de fome, os dados de obesidade, muitas vezes gerada pela má alimentação, também preocupam, principalmente entre as crianças. De acordo com a ONU, a estimativa é que, em 2018, 40 milhões de crianças menores de cinco anos no mundo estavam acima do peso. As últimas estimativas da FAO mostram que o número de pessoas obesas no mundo, cerca de 830 milhões, já superou o número de pessoas que sofrem de fome. No Brasil, conforme os indicadores mais recentes, 23% da população estava obesa em 2016.
Fatores como a falta de recursos para adquirir alimentos mais saudáveis em detrimentos dos processados, na maioria das vezes, mais baratos e acessíveis, explica o aumento de pessoas obesas no Brasil e no mundo. Comidas ultra-processadas – embutidos, preparações instantâneas, biscoitos recheados, salgadinhos de pacote e refrigerantes, por exemplo – passam por técnicas e processamentos com alta quantidade de sal, açúcar, gorduras, realçadores de sabores, texturizantes e não possuem qualquer benefício nutricional.
As Nações Unidas junto com seus países membros, em 2015, traçaram mais de 200 metas que hoje compõem os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, os ODS. O planeta está em uma corrida contra o tempo para, até 2030, erradicar a fome e a pobreza, proteger a Terra e garantir que as pessoas alcancem a paz e a prosperidade.
Mas o que a agricultura familiar tem a ver com isso? Tudo!
Na semana em que celebramos o Dia Internacional da Agricultura Familiar, 25 de julho, a Unicopas (União Nacional das Organizações Cooperativistas Solidárias) preparou uma série especial sobre Agricultura Familiar e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
E para começar, vamos falar do papel da agricultura familiar para a diminuição da fome e da pobreza extrema no Brasil e no mundo.
Fome zero, agricultura sustentável e erradicação da pobreza. Como a agricultura familiar pode ajudar no alcance do ODS 1 e do ODS 2
O papel da agricultura familiar no combate à fome e a pobreza extrema é fundamental. Isso porque, segundo dados da Secretaria da Agricultura Familiar e Cooperativismo, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o setor é responsável pela produção da maioria dos alimentos que chegam até a mesa dos brasileiros e brasileiras. Ela produz 70% do feijão nacional, 34% do arroz, 87% da mandioca, 46% do milho, 38% do café e 21% do trigo. Além disso, o setor também é responsável por 60% da produção de leite, por 59% do rebanho suíno, 50% das aves e 30% dos bovinos.
Com o faturamento anual de US$ 55,2 bilhões, a agricultura familiar do Brasil é a 8ª maior produtora de alimentos do mundo. Falando em mundo, segundo a FAO, a agricultura familiar produz mais de 80% da comida mundial e, ao mesmo tempo, aumenta a sustentabilidade ambiental da agricultura, preserva e restaura a biodiversidade e os ecossistemas. Isso porque a agricultura familiar é capaz de produzir mais ocupando menos terra, com mais diversidade e com manejos mais sustentáveis.
Um exemplo é a experiência de agricultores e agricultoras familiares assentados da reforma agrária organizados em cooperativas no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O trabalho cooperativo rendeu a eles a maior produção de arroz orgânico da América Latina. O cultivo, que ocorre em vários assentamentos há 20 anos no Rio Grande do Sul, é totalmente livre de agrotóxicos. Atualmente, há 363 famílias produzindo o arroz orgânico em 15 assentamentos de 13 municípios. A área plantada na safra de 2018-2019 é de 3.433 hectares, e a estimativa de colheita é de aproximadamente 16 mil toneladas.
“Essa produção abastece as escolas públicas e a comunidade local com comida saudável, de qualidade e sem veneno. A única forma que o filho de uma família pobre tem de comer produto orgânico é quando as cooperativas que produzem alimentos orgânicos entregam esses produtos para a alimentação escolar. Isso graças, principalmente, a políticas como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Assim, esse produto consegue chegar até os pobres. Caso contrário, esses produtos ficam restritos à classe média e à elite brasileira que tem dinheiro para comprar”, destacou Francisco dal Chiavon, da Concrab (Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil), uma das quatro centrais afiliadas à Unicopas.