Aproximadamente um milhão de pessoas estiveram envolvidas em conflitos no campo no Brasil no ano passado. Mais especificamente, 960.630 contra 708.520, em 2017, um aumento expressivo de 35,6%. Os dados são do Caderno Conflitos no Campo Brasil 2018, divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), no último dia 12 de abril, em Brasília. Nos conflitos especificamente por terra, foram mais de 118 mil famílias envolvidas em 2018. Comparado com o ano anterior, o aumento foi de 11%, quando foram registrados 106.180 casos.
O estudo revelou um aumento exponencial na expulsão de famílias do campo no ano passado, em especial no Centro-Oeste quando 574 famílias foram expulsas de seus territórios, 550 somente no estado do Mato Grosso e 24 no estado do Mato Grosso do Sul, áreas de grande expansão do agronegócio e de grandes empreendimentos. Comparado com 2017, o aumento foi de 14.350%, quando foram registradas 4 expulsões. “O Cerrado é o segundo Bioma que mais sofre com os conflitos do campo, ficando atrás somente da Amazônia que é, hoje, o mais impactado”, destacou Isolete Wichinieski, da Coordenação Executiva Nacional da CPT durante o lançamento. As regiões com o maior índice de expulsões em 2018 foram as regiões Norte (837 famílias, com um aumento de 36,3%) seguida da Sudeste (820 famílias expulsas, com um aumento de 35,6%).
Ao todo, no Brasil, somente em 2018, o poder privado foi responsável pela expulsão de 2.307 famílias – um aumento de 59% em relação a 2017 – e o poder púbico por despejar 11.253.
Conflitos pela água é o maior desde 2002 e 85% das vítimas são de comunidades tradicionais
O relatório da CPT ainda mostra que 2018 é o ano com o maior número de conflitos pela água desde 2002. No ano passado, foram registrados 276 conflitos pela água, envolvendo 73.693 famílias. O número de conflitos é 40% maior e o de famílias envolvidas, 108%.
Entre as vítimas, 85% são de comunidades tradicionais. Dos 276 casos, 235 (85,14%) atingiram camponeses de Fundo e Fecho de Pasto, Geraizeiros, Indígenas, Marisqueiras, Pescadores, Quebradeiras de Coco, Quilombolas, Ribeirinhos e Vazanteiros.
As mineradoras foram as responsáveis por 50,36% dos conflitos, somando 139 ocorrências, sendo 111 protagonizados por mineradoras internacionais e 28 por nacionais.
Mulheres: um recorte de luta
De 2009 a 2018, 1.409 mulheres sofreram algum tipo de violência. Somente no ano passado, foram registrados 482 casos de violência em conflitos do campo contra mulheres, a maioria, são sem-terra.
“Pode-se dizer, com certeza, que é sobre as mulheres que recai a carga mais pesada, pois elas, ao verem destruído o local de habitação e trabalho, carregam consigo a dor e a angústia das crianças que estão sob sua responsabilidade”, diz o relatório.
Para Isolete, o retrocesso de políticas públicas voltadas para as mulheres pode agravar ainda mais este quadro. “A mulher se coloca na frente das lutas em defesa da vida e de seus territórios”, observou.
Em 2018, 36 mulheres foram ameaçadas de morte, 6 sofreram tentativas de assassinato, 15 foram presas, 2 torturadas, 6 sofreram ferimentos, 2 morreram em consequência de conflitos, 1 sofreu aborto e 400 foram detidas em uma ação em que denunciavam a privatização das águas de Minas Gerais. Elas ocuparam a Nestlé, em São Lourenço, e a polícia as manteve detidas por horas dentro dos ônibus que as conduziram e todas passaram por revista.
Conflitos trabalhistas aumentaram 30%
Em 2017 foram registrados 66 casos de trabalho escravo. Em 2018, 86. Isso corresponde a um aumento de 30% no número de casos.
Outras situações igualmente graves mostram diferentes formas de exploração do trabalho no campo, como casos de trabalhadores intoxicados por agrotóxicos. De 2000 a 2018, a CPT registrou 363 vítimas em conflitos envolvendo agrotóxicos, pessoas que morreram ou tiveram a vida ameaçada devido ao contato com venenos. Estes casos, especificamente, estão distribuídos da seguinte forma: 71% em conflitos pela terra (256 vítimas); 21% em conflitos trabalhistas (77 vítimas); 8% em conflitos pela água (30 vítimas). Do total, 91 vítimas são crianças.
O relatório ressalta que os números registrados pela pastoral são pequenos diante da realidade. A maior parte das pessoas que buscam por médicos por causa de intoxicação são diagnosticadas com outros problemas de saúde, deixando, assim, de relacionar a doença com o contato com agrotóxicos. Além disso, grande parte dos trabalhadores não denuncia o fato, pois temem punição. “O ganha-pão está em jogo. O medo de perder o emprego faz dos trabalhadores o grupo mais silencioso. São reféns do silêncio”.
Assassinatos caem, mas 2019 já se mostra com um aparente aumento
No ano passado houve uma queda substancial no número de assassinatos. Caiu de 71, em 2017, quando houveram 5 massacres, para 28 em 2018. De acordo com análise da CPT, anos eleitorais tendem a ter uma diminuição nesse tipo de violência. Contudo, 2019, já aponta o retorno do aumento de assassinatos. Isso porque nos quatro primeiros meses deste ano, a Comissão Pastoral da Terra já registrou 10 assassinatos em conflitos no campo. O total registrado até o momento já representa 36% das mortes ocorridas em 2018. “É importante destacar que registramos os casos que chegam até a CPT. Muitos não chegam até nós. Ou seja, se formos estimar todos os conflitos que acontecem Brasil afora, os números podem ser bem maiores”, observou Antônio Canuto, assessor da pastoral.
Números que mostram crescimento em relação a 2017
40% em conflitos por água
59% em famílias expulsas
35% no número de pessoas envolvidas
30% em conflitos trabalhistas
10% em conflitos envolvendo a mineração
11% no número de famílias envolvidas em conflitos por terra
4% no número de conflitos no campo
6,5% em terras em disputa
Cooperativismo e Economia Solidária: estratégias para enfrentar a violência
Para Arildo Lopes, presidente da Unicopas (União Nacional das Organizações Cooperativistas Solidárias) o levantamento realizado pela CPT ainda mostra uma realidade desafiadora. Segundo ele, um dos caminhos para que isso seja minimizado é o fortalecimento das cooperativas de agricultura familiar, uma vez que elas
“lutam pelo direito à terra por meio da reforma agrária e produzem grande parte da comida que vai para a mesa dos brasileiros. Ou seja, estão diretamente ligadas à segurança e à soberania alimentar do país”.
Já Francisco Dal Chiavon, vice-presidente da Unicopas, lembra que, no Brasil, esse estado de violência acontece desde o descobrimento e posterior colonização. “O saqueio das riquezas continua em nosso país. Se antes era feita por pessoas físicas, hoje é realizada por empresas privadas, em especial, por meio de madeireiras e mineradoras. Além de violento, esse modelo desenvolvido pelo agronegócio destrói o meio ambiente – solo, florestas, águas e pessoas – e desde a nossa colonização o povo sempre fez parte da mão-de-obra e não como beneficiário”, destacou ele dizendo ainda que esse processo sempre teve o Estado como facilitador da exploração promovida por pessoas que nunca se sentiram parte da sociedade brasileira. “Eles vêm com uma cultura de quem vem de fora e por isso não se interessam com o real desenvolvimento do Brasil, buscam somente nossas riquezas sem se preocuparem com as consequências dessa exploração”.
A violência conta a mulher também chama a atenção. “Elas, historicamente, sempre foram violentadas, mas, nos últimos anos vemos a eliminação física delas. Se formos analisar, todas as mulheres assassinadas eram lideranças. Com a nossa nova forma de organização social, com maior participação das mulheres em espaços públicos e políticos, elas começam a ser visadas de uma forma diferente: a eliminação física dessas mulheres”.
Uma das estratégias para o enfrentamento desta realidade, para Francisco, são as formas associativas e cooperativas de trabalho e atuação.
“Além de cumprir uma função econômica, social e política, o cooperativismo solidário, por meio da sua organicidade, contribui para o enfrentamento desse estado de violência. Isso porque não é mais um indivíduo sozinho lutando, mas sim vários indivíduos juntos com a mesma luta e o mesmo objetivo. Ou seja, as pessoas não representam a si próprias, mas representam uma organização que tem mais força política e representatividade”.
por Thays Puzzi / assessoria de Comunicação Unicopas