O nome dela é Lúcia Fernandes do Nascimento. Tem 43 anos, quatro filhos e uma neta. Saiu da sua terra natal, o Ceará, rumo à Brasília junto com a família aos 10 anos de idade. Mal se estabeleceram na nova cidade, Lúcia e suas irmãs foram trabalhar em casa de família. E, assim, como ela mesma relembra “perdeu toda a sua juventude”.
Foi por intermédio de uma das cunhadas que Lúcia conheceu o mundo dos catadores de materiais recicláveis. No lixão da Estrutural, o maior da América Latina – fechado pelo governo do Distrito Federal em janeiro de 2018 – Lúcia trabalhou por 18 anos. É com orgulho nos olhos que ela diz que foi do lixo que ela e, na época, o então marido, tiraram o sustento para a família. “Eu entrei no lixão por necessidade. Morávamos de aluguel. Eu já tinha dois filhos pequenos para criar. Precisava trabalhar e lá foi a única oportunidade que encontrei”.
Com o riso um pouco encabulado, ela relembra seu primeiro dia no lixão:
“A maior experiência que tive na minha vida foi o primeiro dia trabalhando em um lixão. Foi triste e ao mesmo tempo foi muito cansativo e dolorido. Eu trabalhei de uma hora da tarde até umas cinco e meia e consegui ganhar R$ 1,50”.
Na época, Lúcia conta que os catadores e catadoras recebiam por bag, uma bolsa que enchiam com material reciclável que encontravam no lixão. Por cada bag cheia, que pesava em torno de 30 quilos, eles recebiam R$ 1,50.
Com o tempo, Lúcia disse que se acostumou com a rotina. “Fui gostando e percebendo que era dali que eu tirava o meu sustento”. E foi de bag em bag que ela também foi tomando conhecimento sobre cooperativas.
“Nós somos a primeira cooperativa criada dentro do lixão da Estrutural. Antes só tinha a Associação Ambiente em que todos os catadores faziam parte. Surgiu a ideia de formar uma cooperativa quando a gente nem sonhava o que era uma cooperativa. Juntamos 21 catadores e catadoras e formamos a nossa cooperativa. Isso já faz 10 anos”, relembra.
Nascia ali a Coorace – Cooperativa de Reciclagem Ambiental da Cidade Estrutural.
O presidente, na época, era seu ex-marido, com quem foi casada por 20 anos. Ela entrou como conselheira fiscal, mas não abandonou o lixão por isso. “Tudo o que eu tenho hoje eu consegui trabalhando dentro do lixão da Estrutural. Para uma mulher que não tinha onde morar, hoje, eu não tenho muita coisa, mas tenho uma casinha em Luziânia”, conta com os olhos de alegria.
Hoje Lúcia está em seu segundo mandato como presidenta da Coorace. “Quando eu cheguei (em 2014) peguei uma cooperativa que não tinha um contrato com o governo. Agora, temos dois. Somos a única cooperativa que saiu do lixão e conseguiu dois contratos com o governo”. Dos 21 cooperados iniciais, atualmente, a Coorace tem mais de 180 cadastrados. No entanto, destes, 59 atuam rotineiramente. “Desses 59, se tiver 10 homens trabalhando é muito. Somos maioria mulher”.
A cada tonelada triada, o governo paga à Coorace R$ 304. Além disso, todo o material é vendido. É com esse recurso que Lúcia tem a honra de dizer que paga o INSS de todos os cooperados ativos. Com o que sobra é feito o rateio entre todos eles, inclusive com ela, que está à frente da cooperativa. “Fizemos o rateio de 15 em 15 dias. Se eles ganham R$ 200, eu também ganho isso”, afirmou. No último, ela lembra que por 15 dias trabalhados o valor chegou a R$ 490, somando o ganho do restante do mês, mais uma bolsa capacitação concedida pelo governo, a renda mensal de um catador de reciclável chega a passar de R$ 1.000,00.
“Eu me sinto muito orgulhosa! Me sinto uma guerreira. Lidar com ser humano não é fácil. Eu lido com pessoas de todo jeito. Muitas vezes eu preciso ser dura, outras preciso ter o coração mole. Consegui ganhar o respeito dos cooperados”. Lúcia acredita que adquiriu essa confiança por, muitas vezes, acolher os problemas dos cooperados. “A gente ganha muito amor aqui dentro também”.
A Cooreace é filiada à Unicatadores, uma das centrais que fazem parte da Unicopas.
Assista ao depoimento de Lúcia:
por Thays Puzzi / Assessoria de Comunicação Unicopas