Neste Dia Nacional da Economia Solidária, seminário virtual promovido pela Unicopas chama a atenção para o papel do cooperativismo solidário na produção e na distribuição de alimentos no Brasil; maior incentivo a políticas públicas e protagonismo das mulheres rurais foram destaques
“Vivemos um momento de crise econômica, política, social e ambiental. E a saída desta situação não está colocada no capitalismo e na iniciativa privada. A saída para esta crise está baseada na solidariedade das pessoas, na solidariedade e na organização de classe. Ou seja, está colocada no associativismo e não no individualismo”. Foi o que disse Francisco Dal Chiavon, mais conhecido como Chicão, presidente da Unicopas (União Nacional das Organizações Cooperativistas Solidárias), durante o seminário virtual ‘Economia Solidária e Alimentação: o papel do cooperativismo na produção e na distribuição de alimentos’, realizado nesta terça-feira, 15 de dezembro, em celebração ao Dia Nacional da Economia Solidária.
O encontro também contou com a participação do deputado João Daniel, da quilombola e agricultora Ana Célia Conceição, da dirigente da Copran (Cooperativa de Comercialização e Reforma Agrária União Camponesa), Dirlete Dellazeri e do secretário-executivo do Fórum de Gestores e Gestoras da Agricultura Familiar do Nordeste, Eugênio Peixoto.
Dal Chiavon destacou a importância do cooperativismo e da economia solidária na produção de alimentos do país. De acordo com dados do IBGE trazidos por ele, a agricultura familiar no Brasil é a grande responsável pelo abastecimento interno do país com a produção de 70% do feijão, 87% da mandioca, 38% do café, 48% do milho, 34% do arroz, 59% dos suínos, 50% das aves, 30% da carne bovina e 58% do leite. “Isso sem quase nenhuma ajuda do Estado. Se o Estado apoiasse, de fato, os agricultores e as agricultoras familiares deste país, nós não teríamos os problemas que temos hoje”, afirmou.
Ele também ressaltou a importância das mulheres no contexto da agricultura familiar e do investimento em políticas públicas.
O protagonismo das mulheres rurais
A invisibilidade do trabalho feminino no campo foi outro tema abordado durante o seminário.
“A mulher não é ajudante. A mulher é guardiã de saberes”, destacou Ana Célia. Segundo a agricultora quilombola, as mulheres são as protagonistas do trabalho no campo, em um contexto onde o machismo estrutural permanece presente em todo país.
Ana exemplificou essa realidade citando o caso emblemático em território baiano. A região Sul da Bahia sofreu graves impactos sociais após a doença agrícola ‘vassoura de bruxa’, que assolou a produção de cacau na década de 1990. O período fez com que a renda de diversas famílias fosse impactada. Ana Célia destacou a força das mulheres durante um contexto tão desfavorável. “Eram mulheres chefes de família e que se encontravam sozinhas, muitas vezes em uma situação de grande insegurança alimentar. Na época não existia sequer uma política pública para ajudá-las, mas muitas mulheres se organizaram em torno da economia solidária e conseguiram manter suas famílias”, lembrou.
Dirlete Dellarezi, dirigente da Copran, apresentou a experiência da cooperativa situada no norte do Paraná que proporcionou a autonomia econômica para dezenas de mulheres por meio de agroindústrias, que agrega valor na produção, além de proporcionar trabalho e renda para jovens e mulheres. Com a produção de leite, hortifrúti, panificados, entre outros, o principal destino da produção é a merenda escolar. Por meio do PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), a cooperativa atende 720 escolas da região, além de 1.500 estabelecimentos varejistas.
“Em todo esse processo, vimos a importância de políticas públicas como o PNAE e o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) para a agricultura familiar, vimos que a agroindustrialização do campo é uma importante ferramenta de desenvolvimento e de permanência dos jovens no campo, que o trabalho cooperado é um forte instrumento de emancipação da mulher e que somos capazes de produzir alimentos de qualidade, de nos organizar, de planejar e gerir empresas sociais”, disse Dirlete.
Fome avança no Brasil
Na fala de Eugênio Peixoto foi possível perceber a grande importância da agricultura familiar no combate ao fascismo praticado atualmente pelo governo brasileiro. A resistência no campo se mantem firme apesar de todos os desafios impostos pelo Governo Federal, entre elas o desmonte de políticas públicas da agricultura familiar.
“A produção de alimentos saudáveis e o combate à fome devem ser estratégias de ação política”, salientou Peixoto, que apresentou dados da Pesquisa de Orçamento Familiar, do IBGE, realizada em 2017 e 2018, em um cenário antes da pandemia. O estudo aponta os gastos das famílias brasileiras na alimentação.
“Mais de ⅓ das famílias brasileiras estava passando por situações de insegurança alimentar. Antes mesmo da pandemia, 4.55% já estavam em situação de insegurança alimentar grave, correndo risco de morte”. No Nordeste, a situação é ainda pior, onde quase metade da população nordestina estava em situação de insegurança alimentar no período.
Segundo a pesquisa, a fome também tem recorte de gênero e de geração no Brasil. “Estamos vendo que o descaso, a falta de atenção e o desmonte das políticas públicas mostram o sofrimento das mulheres. O país está precisando de zelo um pelo outro. E esse zelo é trazido pela economia solidária”, destacou Peixoto.
O deputado João Daniel, coordenador do Núcleo Agrário do PT na Câmara dos Deputados, por fim, trouxe para a mesa inciativas que resistem, apesar da conjuntura contrária e a desconexão do atual governo com o projeto de um desenvolvimento sustentável. “Nosso grande papel é continuar construindo a resistência e alternativas para a construção de uma nova sociedade, que pense no trabalho, na produção de alimentos, que pense na conservação e no cuidado com a natureza e que pense em uma outra economia que possa ajudar as pessoas a produzirem e viverem felizes. Nós não fazemos parte desse sistema que apenas explora”.
O seminário virtual fez parte das ações desenvolvidas da emenda parlamentar designada à Unicopas pelo mandato do deputado João Daniel, parceiro histórico da organização.