Independência. Liberdade. Autogoverno. Autossuficiência. Emancipação. Muitos podem ser os sinônimos para a palavra autonomia. Mas, muito mais que um termo, seus significados têm o poder de transformar a vida de centenas de mulheres Brasil afora, em especial, às mulheres do campo, da floresta e das águas. Em marcha pelo país ao longo dos últimos quatro anos, milhares de Margaridas são esperadas na capital federal nos próximos dias 13 e 14 de agosto. Vindas de todas as regiões, elas vão florir Brasília em busca da garantia de direitos e democracia.
E se hoje elas têm condições de conduzir e protagonizar um ato tão grandioso como este é porque a tal da autonomia já pertence a vida de muitas delas. Mas, para terem as rédeas de suas próprias vidas e histórias, a autonomia quase sempre vem acompanhada de outro termo: a economia.
A autonomia econômica é essencial para que as mulheres possam prover seu próprio sustento e decidir sobre suas próprias vidas. Fruto de trabalho e geração de renda, falar em autonomia não engloba somente a questão da independência financeira, mas diz respeito, também, sobre a liberdade para fazer escolhas.
O acesso aos mercados e à renda é parte necessária para que as mulheres tenham autonomia econômica. Mas ela vai além e envolve, inclusive, o direito garantido aos serviços públicos – como saúde e educação – que no atual contexto de retirada de direitos é cada vez mais difícil e implica mais gastos. A autonomia econômica envolve também a capacidade de decidir sobre os tempos e os recursos e de colocar em prática essas decisões. Muitas vezes a resistência dos homens da comunidade é um obstáculo que as mulheres enfrentam para colocar em prática suas decisões.
Falar de trabalho feminino é, muitas vezes, contextualizá-lo com jornadas duplas, quando não triplas. É o trabalho fora de casa. É o trabalho doméstico e o cuidado com os filhos e a família. Funções historicamente atribuídas às mulheres.
A divisão sexual do trabalho faz com que as atividades das mulheres sejam vistas como parte do seu papel de mãe, vinculadas ao trabalho doméstico e de cuidados, que inclui a produção no quintal, da horta, do pomar e de pequenos animais. Aquilo que é produzido nos quintais vai para o autoconsumo, prioritariamente, e o que sobra é comercializado. Mesmo gerando alguma renda, o fato desse trabalho ser considerado extensão do trabalho doméstico, faz com que ele não seja considerado produtivo e nem seja valorizado.
Mas o trabalho na lavoura ou roçado, esse sim, é tido como produtivo. O que se produz lá vai para o mercado, é comercializado, é pago. A roça é o lugar prioritário de trabalho dos homens. É ele quem recebe por esse trabalho e, portanto, é ele quem toma as decisões. Quando realizado pelas mulheres, esse trabalho é considerado apenas uma “ajuda”, mesmo que elas cheguem à lavoura e saiam junto com seus maridos. É, portanto, um trabalho não reconhecido e invisibilizado. Apesar disso, estima-se que 45% da produção agrícola brasileira seja feita por mulheres, de acordo com os dados mais recentes do Censo Agropecuário (IBGE, 2006).
Além disso, conforme explicou Iara de Andrade Oliveira, Secretária Nacional de Mulheres da Unicafes (União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária), uma das centrais afiliadas à Unicopas (União Nacional das Organizações Cooperativistas Solidárias), dependendo do contexto social onde a mulher está inserida, ela acaba sendo impedida de trabalhar. “Desde que o mundo é mundo, a mulher sempre foi excluída dos espaços públicos. Conseguimos ter esse acesso há pouco tempo. As mulheres que hoje trabalham fora, a maioria, têm de cumprir uma tripla jornada e precisam contar com uma estrutura de apoio que dá condições para que ela possa estar inserida nesses espaços”, destacou Iara. “Meu exemplo: para que eu possa ocupar esse cargo, eu conto com toda uma estrutura com relação ao meu filho, ao cuidado da casa, que me permite estar aqui. A maioria das mulheres nem sempre pode contar com isso”.
Mulheres conquistam autonomia e se libertam de situações de violência
Uma reportagem publicada pelo Brasil de Fato em julho deste ano mostra um belo exemplo de emancipação da mulher do campo. Ao ocuparem espaços de comercialização em feiras da região onde moram, essas mulheres tiveram as vidas transformadas. Leia um trecho da reportagem:
“Hoje ocorre o inverso. Os companheiros nos ajudam a produzir, mas quem comercializa e administra somos nós, as mulheres. A missão da associação é viver uma vida melhor, porque alguns não queriam deixar as mulheres irem às feiras. Mas hoje eles trabalham sem parar na véspera para que possamos ir. A nossa inserção nesses espaços mudou muito a nossa situação financeira”, afirma Olália. Com a comercialização na cidade, as camponesas conseguiram melhorar a qualidade de vida de suas famílias em diversos aspectos. Passaram a mobiliar suas casas e até mesmo a terem acesso à internet e à tecnologia. Porém, segundo Olália, na ponta desse processo está o que elas consideram o mais importante e uma grande vitória: o fim da violência doméstica.
Feiras libertam mulheres da violência doméstica no RS. Clique AQUI para ler a reportagem completa.
“Quando se promove a autonomia econômica garantimos o protagonismo das mulheres. Damos possibilidades para que elas reajam a situações de violência e busquem ajuda. Cada vez que alguma mulher faz isso, que reage ou denuncia, outras mulheres veem e passam a ter mais coragem para tomar algum tipo de atitude”, comentou Isadora Santos, coordenadora de Projetos da Unicopas.
A Marcha das Margaridas é uma ação protogonizada pelas mulheres do campo, da floresta e das águas, realizada pela CONTAG, Federações e Sindicatos, e apoiada por 16 organizações parceiras, entre elas a Unicopas.