CIDH: Catadora de recicláveis destaca violações contra a categoria

Audiência pública da Comissão Interamericana de Direitos Humanos recebeu informações gerais sobre a situação de direitos humanos nos países. No caso do Brasil, o objetivo foi apresentar atos conduzidos a partir de 2019 pelo Estado que extinguem, monitoram ou inviabilizam espaços de participação social.

Claudete Costa, vice-presidenta da Unicatadores, umas das centrais afiliadas à Unicopas, participou, junto com a delegação brasileira, da 173ª audiência pública ‘Controle e Participação Social nas Políticas Públicas de Direitos Humanos no Brasil’, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), realizada nesta sexta-feira (27), em Washington, nos Estados Unidos.

Claudete falou sobre o risco eminente de catadoras e catadores de materiais recicláveis do Brasil frente ao Programa Nacional Lixão Zero e ações de agravamento da vulnerabilidade dos trabalhadores e trabalhadoras que sobrevivem da coleta e reaproveitamento de recicláveis. Iniciado pelo governo brasileiro em abril deste ano, a Defensoria Pública da União já identificou no programa pontos que violam os direitos humanos de catadoras e catadores.

A audiência pública da CIDH recebeu informações gerais sobre a situação de direitos humanos nos países. No caso do Brasil, o objetivo foi apresentar atos conduzidos a partir de 2019 pelo Estado que extinguem, monitoram ou inviabilizam espaços de participação social nas áreas de formulação e fiscalização de políticas públicas. A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA) encarregado da promoção e proteção dos direitos humanos no continente americano.

Além de Claudete, compuseram a delegação brasileira: Eduardo Nunes de Queiroz, da Defensoria Pública da União; Henrique Hollunder Apolinario de Souza, do Conectas Humanos Direitos; e Carlos Nicodemos, do Movimento Nacional de Direitos Humanos. Na ocasião, também foi entregue o relatório realizado pela Comissão de Participação Social do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que aponta a atual situação dos conselhos no país.

“Como coordenador de direitos humanos da Defensoria Pública da União e conselheiro da mesa diretora do CNDH, venho testemunhando a política que se iniciou com a posse do novo Presidente da República em janeiro de 2019 de desmonte dos espaços de participação social na Administração Pública Federal. Em linhas gerais, essa política se constitui em atos executivos sucessivos da Presidência e de seus Ministros que buscam a extinção, a redução de competências, a restrição ao funcionamento, a subordinação administrativa, o afastamento de representações da sociedade civil dos colegiados instituídos pela legislação, dentre outros”, exemplificou Queiroz.

Os representantes brasileiros levantaram então uma série de ações do governo que, para eles, configuram o caráter sistemático para frustrar direitos de participação, conforme previsto na Constituição Federal de 1988, na Convenção Americana de Direitos Humanos e no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.

Entre os atos, está a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), a extinção generalizada de colegiados federais, a fragilização do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, a recriação desvirtuada de colegiados instituídos por Decreto, o afastamento de representantes da sociedade civil e a assunção da gestão de fundos públicos, a redução ou supressão das funções exercidas pela sociedade civil, e o constrangimento à livre atuação de colegiados.

Leia a íntegra da fala de Eduardo Queiroz, representante do Conselho Nacional de Direitos Humanos:

Bom dia a todas e todos, sou Eduardo Queiroz, coordeno a especialidade de direitos humanos da Defensoria Pública da União e sou conselheiro da mesa diretora do Conselho Nacional de Direitos Humanos no Brasil. Nessa condição, venho testemunhando a política que se iniciou com a posse do novo Presidente da República em janeiro de 2019 de desmonte dos espaços de participação social na Administração Pública Federal.

Em linhas gerais, e como exemplificarei em seguida, essa política se constitui em atos executivos sucessivos da Presidência e de seus Ministros que buscam (i) a extinção, (ii) redução de competências, (iii) restrição ao funcionamento, (iv) subordinação administrativa, (v) afastamento de representações da sociedade civil dos colegiados instituídos pela legislação, dentre outros.

A política de extinção de colegiados se iniciou logo no primeiro ato do novo Presidente, em 1° de janeiro de 2019, com a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, órgão participativo central na defesa de um sistema alimentar justo, saudável e sustentável, e contraponto à expansão do uso de agrotóxicos e das monoculturas agrícolas no país. E chegou ao seu ápice com o Decreto 9759, em abril, que revogou a Política Nacional de Participação Social e, principalmente, determinou a extinção de todos os colegiados da Administração Pública Federal, com rígidas limitações para sua recriação, como a composição máxima de 7 (sete) membros, a realização de reuniões apenas por videoconferência e com duração máxima de duas horas, a proibição de criação de órgãos fracionados, como comissões temáticas permanentes, dentre outras.

O ato gerou forte resistência na sociedade, sendo objeto de diversos pedidos de suspensão por parlamentares do Congresso Nacional, e acabou tendo sua eficácia parcialmente cassada por medida cautelar do Supremo Tribunal Federal, que preservou a existência dos conselhos criados em lei.

A decisão da Suprema Corte brasileira, porém, não impediu o governo de recorrer a outras estratégias para esvaziamento dos órgãos participativos.

A mais utilizada foi a expressiva redução de membros na composição desses colegiados, que atingiu principalmente as cadeiras ocupadas pela sociedade civil, que em todos os casos tiveram sua participação proporcional reduzida, ou afastada a possibilidade de assumir a coordenação ou presidência do órgão.

Em casos extremos, como o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, a participação social foi totalmente afastada, sobre o objetivo publicamente declarado de calar qualquer outro discurso além do proibicionista.

Também graves foram as medidas de cassação de representações civis já eleitas para os colegiados, como o Conselho Nacional de Direitos da Pessoa Idosa, cuja presidente – oriunda da sociedade civil – foi impedida de tomar posse, e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente, que teve todos seus representantes da sociedade afastados em pleno exercício de mandato. Em ambos os casos, tais mudanças trazem reflexos diretos na utilização de fundos monetários geridos por esses conselhos, destinados por lei para a realização de ações e programas de defesa dessas populações.

Outra medida utilizada na política de desmonte foi o esvaziamento de competências, com a redução do papel dos colegiados na deliberação da política pública relacionada a suas funções. Aqui temos o caso do Comitê de Monitoramento da Política da População em Situação de Rua (CIAMP-Rua), a Comissão de Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE) e o Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD), que passaram a ser órgãos meramente opinativos na estrutura ministerial. No caso desse último, o CNCD, o esvaziamento chegou ao ponto de suprimir sua função expressa de defesa da população LBGT, desnaturando sua missão original.

 Por fim, há ainda aqueles que, muito embora não tenham sido alterados, vem sofrendo constrangimentos diários à sua livre atuação, como o Conselho de Direitos Humanos, que teve sua secretaria administrativa afastada após publicação de recomendação contrária à Reforma da Previdência Social defendida pelo governo, o Conselho Nacional de Assistência Social, que vem sendo obrigado a submeter suas deliberações à aprovação da consultoria jurídica do Governo, e o Conselho de Promoção da Igualdade Racial, cujas deliberações não vem sendo publicadas nos canais ordinários de informação desse órgão.

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