ESPECIAL RECICLAGEM: por que investir em um modelo popular e inclusivo?

Foto: Unisol Brasil

No Brasil, existem aproximadamente 388 mil catadoras e catadores de materiais recicláveis, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) com base no Censo 2010. Todavia, o Movimento Nacional do Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) acredita que existam de 800 mil a 1 milhão de catadoras e catadores em atividade no país.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2017 e 2018 mostra que 74% dessas trabalhadoras e trabalhadores são pretos, pardos ou indígenas; 72% são mulheres; 60% estudaram até o ensino fundamental, apenas 2% concluíram curso superior; e quase a metade (47%) tem de 30 a 49 anos.

Em um país que, em média, os brancos têm os maiores salários, sofrem menos com o desemprego, são maioria entre os que frequentam o ensino superior e ainda há disparidade entre homens e mulheres no mercado de trabalho, o perfil das catadoras e catadores detectado no Anuário da Reciclagem 2017-2018 não surpreende, quando, por falta de oportunidades e emprego, muitas mulheres e homens descobrem na reciclagem uma alternativa de trabalho, geração de renda e vida digna. É fácil encontrar nesse trabalho pessoas que começaram por falta de opção, mas hoje são conscientemente apaixonadas pelo serviço ambiental que realizam.

Estratégias para a promoção do desenvolvimento sustentável, o cooperativismo e a economia solidária são capazes de promover trabalho digno e decente, com inclusão e justiça social, geração de renda e respeito ao meio ambiente. Além disso, fomentam o desenvolvimento local com iniciativas geradas pela autogestão, emancipação e autonomia de milhares de trabalhadoras e trabalhadores em todo o Brasil. Não por acaso, de acordo com o Anuário, a Associação Nacional dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (ANCAT), a Pragma Soluções Sustentáveis e outros parceiros responsáveis pelo estudo, registraram 1.710 organizações de catadores em todo o país.

“A alternativa das catadoras e dos catadores se organizarem em cooperativas e associações veio como transformação de vida. A origem da organização do trabalho dos catadores não vem de maneira formal. A nossa origem é de catador autônomo, de catador de rua e a forma que a gente encontra para sermos incluídos em políticas é por meio de cooperativas. Isso transformou vidas, garantiu trabalho e renda e promoveu cidadania para esses grupos de pessoas que vivam excluídas”, explica Aline Sousa, catadora e secretária geral da Unicopas (União Nacional das Organizações Cooperativistas Solidárias).

Ela ainda destaca que organizar cooperativas de catadores foi a solução encontrada para regularizar as atividades econômicas desenvolvidas por meio do trabalho coletivo, de forma solidária e sob regime de economia familiar. “Garantir que a atividade de reciclagem siga um modelo popular e inclusivo como nós defendemos é proporcionar justiça, transformação social e desenvolvimento sustentável para o Brasil”.

Catadoras e catadores como protagonistas no mercado da reciclagem

Com o intenso progresso econômico e industrial, a preocupação com questões ambientais tem se intensificado, com destaque para o gerenciamento da produção, a logística reversa – conjunto de ações para que o resíduo pós-consumo retorne para a cadeia produtiva, substituindo a matéria-prima virgem – e a recuperação dos resíduos sólidos, todos essenciais para o crescimento sustentável. “Garantir a atuação de cooperativas e associações de catadoras e catadores é fundamental em várias etapas da logística reversa, como na coleta, no transporte, na triagem, no pré-beneficiamento e na destinação final adequada para os materiais, principalmente para a reciclagem. Ter catadoras e catadores nesse protagonismo não faz, por exemplo, que cheguem resíduos orgânicos na triagem”, explica Aline.

Ao longo dos anos, como forma de desenvolver e fortalecer a atividade das catadoras e dos catadores de materiais recicláveis, algumas leis e medidas normativas foram sendo decretadas.

Em 2002, a categoria Catadores de Materiais Recicláveis foi reconhecida como profissão pela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Já em 2006, o Decreto 5.940, implementou a Coleta Seletiva Solidária nos órgãos federais com destinação dos resíduos para cooperativas e associações de catadores. No ano seguinte, 2007, a Lei 11.445, permitiu ao poder público a contratação, com dispensa de licitação, das cooperativas e associações de catadores nos serviços de coleta seletiva dos municípios.

Em 2010, houve a aprovação de uma série de medidas. Primeiro o Decreto 7.217, de 21 de junho, que considera as cooperativas e associações como prestadores de serviços público e manejo de resíduos. Depois veio a Lei 12.305, de 2 de agosto, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que inclui aos catadores como agentes essenciais no tratamento de resíduos sólidos. Já o Decreto 7.404, de 23 de dezembro, regulamentou a PNRS e, no mesmo dia, o Decreto 7.405, instituiu o Programa Pró-Catador e denominou o Comitê Interministerial para Inclusão Social e Econômica dos Catadores de Materiais Reutilizáveis.

“A Lei que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos mudou de forma relevante o tratamento do problema dos resíduos no Brasil. Além disso, ela incentiva a criação e o desenvolvimento de cooperativas e associações de catadores e define que a sua participação nos sistemas de coleta seletiva e de logística reversa deve ser priorizada. Mas, mesmo com esses avanços, os desafios da categoria ainda são inúmeros”, salientou a catadora Aline Sousa.

Muitas vezes, a falta de estrutura física ou em investimentos em programas e garantia de políticas públicas, prejudicam o trabalho de catadoras e catadores de todo o Brasil. A atual conjuntura do Brasil, com retrocessos constantes, inclusive na esfera dos direitos humanos, e no impedimento da participação popular, principalmente nas instâncias federais, tem dificultado o diálogo entre os governos e a sociedade civil organizada e, consequentemente, o avanço de políticas que priorizem as populações mais empobrecidas do país.

Nesta perspectiva, um conjunto de organizações, entre elas a Unicopas, com o protagonismo de catadoras e catadores, apresentou uma petição à Organização das Nações Unidas (ONU) com pedido de audiência para ser realizada durante a 174º período de sessões da Comissão Interamericana de Diretos Humanos, em novembro deste ano em Quito, no Equador. O objetivo é denunciar a situação de catadoras e catadores de material reciclável e reutilizável no Brasil. Apesar de o pedido ainda não ter sido aprovado, conforme a petição, é notório “o risco de agravamento da condição de hipervulnerabilidade em que se encontram esses trabalhadores ante programa formulado pelo Estado Brasileiro”. Em abril deste ano, o Governo Federal deu início ao “Programa Lixão Zero”, contudo, a Defensoria Pública da União identificou nele pontos que violam os direitos humanos de catadoras e catadores.

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