Cooperativismo e economia solidária como estratégias à autonomia da mulher

Foto: Unisol Brasil

Um levantamento feito pelo jornal Folha de São Paulo para marcar o Dia Internacional de Luta das Mulheres, 8 de março, mostrou que somente em janeiro deste ano, ao menos, 119 mulheres foram mortas no Brasil por causa de seu gênero. Ao todo, 179 mulheres foram vítimas de feminicídio ou sobreviveram a uma tentativa de morte noticiados no país. É uma média de seis crimes por dia. Além disso, a pesquisa constatou que 71% dessas mulheres – as que morreram e sobreviveram – foram atacadas pelo atual marido ou ex-companheiro.

Não por acaso, o Brasil ocupa a quinta posição em feminicídios no mundo, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). Para as mulheres negras, a situação é ainda pior. De acordo com o Atlas da Violência 2018, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a taxa de homicídios de mulheres negras no país é de 5,3 por 100 mil habitantes. O número é 73% maior ao registrado entre mulheres não negras, cuja taxa é de 3,1.

A violência não é o único problema que as mulheres no Brasil têm de enfrentar. A disparidade salarial entre homens e mulheres também é realidade no país. Uma pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelou que, apesar dessa desigualdade ter diminuído um ponto percentual, as mulheres ainda ganham 20,5% a menos que os homens. Além disso, mulheres em cargos de chefia podem chegar a ganhar um terço do salário pago aos homens que desempenham a mesma função.

Não por acaso, centenas de milhares de mulheres saíram às ruas em diversos pontos do Brasil e do mundo no dia 8 de março para chamar a atenção de toda a sociedade e pautar a necessidade de luta permanente. Os protestos são contra o machismo, a violência de gênero, a desigualdade, o racismo e o preconceito contra pessoas LGBTs. O assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol-RJ), caso ainda sem solução quase um ano após o crime, também foi destaque em marchas que ocorreram em, pelo menos, 23 estados brasileiros e no Distrito Federal.

Outro movimento que mobiliza mulheres em todo o mundo é a Greve Internacional de Mulheres (GIM). Organizado por mulheres de mais de 40 países, ele, em 2019, chama a atenção com o tema “Se nossa vida não importa, produzam sem nós”.

Falando em produção, globalmente, a desigualdade de gênero no mercado de trabalho gera uma perda média de 15% nas economias dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). De acordo com o Banco Mundial, no Brasil, a maior participação da mulher no mercado de trabalho e também a maior projeção profissional traria um incremento de 3,3% ao Produto Interno Bruto (PIB).

Autonomia econômica para a liberdade das mulheres

 

A autonomia econômica é essencial para que as mulheres possam prover seu próprio sustento e decidir sobre suas próprias vidas. Falar em autonomia não engloba somente a questão da independência financeira e geração de renda, mas diz respeito sobre a liberdade para fazer escolhas. É por este caminho que muitas mulheres conseguem, inclusive, livrar-se de uma situação de violência. “Quando se promove a autonomia econômica garantimos o protagonismo das mulheres. Damos possibilidades para que elas reajam a situações de violência e busquem ajuda. Cada vez que alguma mulher faz isso, que reage ou denuncia, outras mulheres veem e passam a ter mais coragem para tomar algum tipo de atitude”, comentou Isadora Santos, coordenadora de Projetos da Unicopas (União Nacional das Organizações Cooperativas Solidárias).

Para a representante interina da ONU Mulheres no Brasil, Ana Carolina Querino, o empoderamento econômico das mulheres “é uma das estratégias capazes de remover obstáculos e de criar condições para que as mulheres possam desenvolver toda a sua potencialidade no mundo do trabalho com valorização dos seus talentos, direitos, oportunidades de ascensão, remuneração e benefícios adequados à sua capacidade produtiva”.

Mas falar de trabalho feminino é, muitas vezes, contextualizá-lo com jornadas duplas, quando não triplas. É o trabalho fora de casa. É o trabalho doméstico e o cuidado com os filhos e a família. Funções historicamente atribuídas às mulheres. De acordo com Iara de Andrade Oliveira, Secretária Nacional de Mulheres da Unicafes (União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária), uma das centrais afiliadas à Unicopas, dependendo do contexto social onde a mulher está inserida, ela acaba sendo impedida de trabalhar. “Desde que a sociedade se consolidou, o trabalho privado, doméstico, foi destinado à mulher. Entra o desafio de discutir dentro das famílias e mesmo dentro das cooperativas a divisão sexual do trabalho. O trabalho doméstico não é exclusivo das mulheres, mas de toda a família. Por isso, o trabalho de formação, sensibilização e conscientização é fundamental”.

Neste sentido, o papel do cooperativismo e da economia solidária se torna essencial na vida de diversas mulheres. Essa forma de trabalhar promove não só o sustento econômico, mas a emancipação e a dignidade, com práticas baseadas na autogestão, na democracia e na cooperação.

“Hoje o cooperativismo significa vida, significa princípios. Não é mais só uma questão de geração de renda. É um modelo que estamos escolhendo para a nossa vida quando optamos pelo cooperativismo. É maravilhoso pensar que amanhã estaremos seguros, dependendo só de nós e não dependendo de um patrão que resolve trocar a mão-de-obra ou discorda de alguma atitude que eu tenha tido e, por isso, me demita. No cooperativismo dependemos de nós”, destacou Nelsa Nespoldo, presidenta da Justa Trama, uma cooperativa que congrega mais de 400 trabalhadoras e trabalhadores nas cinco região do Brasil. A Cooperativa Central Justa Trama é filiada à Unisol Brasil, uma das centrais que compõem a Unicopas.

Elaine Magali Alves, vice-presidenta da Cooperativa Pacova – que trabalha com processamento de banana e tem na marca, Pacova, o significado do nome da fruta em Tupi-Guarani -, filiada à Unicafes, contou que foi no cooperativismo que as agricultoras e agricultores familiares da região encontram o caminho para sair da mão de atravessadores. “Enquanto os atravessadores pagavam R$ 5,00 pela caixa de banana, hoje a prefeitura paga R$ 150,00 por caixa. O cooperativismo é isso: parceria”.

Outra mulher que encontrou no cooperativismo e na economia solidária a autonomia foi Lúcia Fernandes do Nascimento. Ela que trabalhou durante 18 anos no extinto lixão da Cidade Estrutural, que fica cerca de 15 quilômetros de Brasília, hoje comemora o segundo mandato como presidenta da Coorace – Cooperativa de Reciclagem Ambiental da Cidade Estrutural. “Eu me sinto muito orgulhosa! Me sinto uma guerreira. Quando eu cheguei (em 2014) peguei uma cooperativa que não tinha um contrato com o governo. Agora, temos dois. Somos a única cooperativa que saiu do lixão e conseguiu dois contratos com o governo”. Atualmente, a Coorace tem mais de 180 catadoras e catadores cadastrados. No entanto, destes, 59 atuam rotineiramente. “Desses 59, se tiver 10 homens trabalhando é muito. Somos maioria mulher”. Assista ao depoimento de Lúcia clicando aqui.

É visto que as cooperativas, associação e empreendimentos solidários se apresentam como uma importante estratégia para geração de trabalho, renda e proteção social para as mulheres. Ou seja, são capazes de promover a autonomia econômica feminina que, neste contexto, é compreendida como a “possibilidade de ter condições e criar expectativas de ter uma vida com qualidade através do trabalho coletivo”, como destaca o artigo Mulheres da economia solidária no Brasil: estratégias para autonomia econômica e dignidade, publicado por seis mulheres no site da Unisol Brasil. O artigo também retrata os desafios da mulheres que, ao contrário das entrevistadas para esta reportagem, ainda sofrem como a baixa representatividade feminina em espaços de coordenação, lideranças e incidências, tema destacado na primeira reportagem especial sobre mulheres cooperativistas.

Unicopas e União Europeia na promoção do protagonismo feminino

 

Por isso, uma parceria firmada entre a Unicopas e a União Europeia, por meio do projeto “Fortalecendo a Rede Unicopas”, tem por objetivo aumentar a participação das mulheres e das juventudes nas instâncias de governança da organização, nos espaços de incidência política e de controle social das políticas públicas. Para isso, diversas ações, como formação e capacitação de lideranças, serão desenvolvidas ao longo dos três anos de execução do projeto.

Além de promover o protagonismo feminino, a Unicopas acredita que a economia e o cooperativismo solidário podem contribuir efetivamente para que o Brasil alcance os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), neste caso, em especial, o ODS 5: Igualdade de Gênero. Isso porque muitos empreendimentos são formados por mulheres, promovendo diretamente a autonomia econômica das mulheres, sua participação no empreendimento e o fomento ao empoderamento feminino.

A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável propõem transformações e metas, que demandam o engajamento de diversos setores para novas práticas econômicas e empoderamento de mulheres.

por Thays Puzzi / assessoria de Comunicação Unicopas